O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Sinhô chuta de bico





grafismos indígenas
grafismos negros
na camisa da seleção masculina de futebol

nunca teremos,
dizem os racistas,
mas por uma razão humanitária,

pois, se apagamos os subalternos
desde sua produção simbólica,
não precisaremos de institutos legais de segregação,

aliás desnecessários quando acadêmicos
jogam bananas para seus colegas escuros
e aprendem direito quem tem cara de preso;

pois, se apagamos os subalternos
desde sua produção simbólica,
não precisaremos de metralhadoras,

embora largamente usadas por capangas 
e outras forças oficiais de segurança
com mira técnica para alvos escuros;

grafismos indígenas
grafismos negros
na camisa da seleção masculina de futebol

nunca teremos,
dizem os racistas,
mas por uma razão patriótica,

o futebol é imanente à formação do povo,
se ele se reconhecesse na camisa
arriscar-se-ia a enxergar-se como povo

e não como algo genérico e difuso
que serve de número para anunciantes
e de entretenimento para a indústria

quando cai das arquibancadas,
quando se entredevora dividido em torcidas
em vez de unido como classe;

e a visão das raças discriminadas
fomentaria conflitos em vez da harmonia patriótica 
entre a bota e o rosto esmagado

grafismos indígenas
grafismos negros
na camisa da seleção masculina de futebol

nunca teremos,
dizem os racistas,
mas por uma razão técnica,

para evitar erros de arbitragem,
certamente seriam cometidos
se a seleção se vestisse dos injustiçados

em vez de assumir os símbolos
da raça vitoriosa, que precisou
que outras perdessem suas terras

e onde foram expulsas erguessem o estádio
em que lavam arquibancadas e banheiros,
para ensinar o sinhô a não chutar de bico;

o jogador negro, para efeitos de patrocínio,
deve ser considerado branco
enquanto for bem sucedido

grafismos indígenas
grafismos negros
na camisa da seleção masculina de futebol

nunca teremos,
dizem os racistas,
pois o racismo é o seu país

e ele, sem uniforme, poderia confundir-se com os homens

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