O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

sábado, 12 de setembro de 2020

"Não se trata de impeachment, / mas desratização dos palácios"



I

Não se trata de impeachment,
mas desratização dos palácios.


II

O país encerrado em cinza.

A onça com as patas em chama,
não sabemos até que ponto caminhará.

Talvez chegue mais longe
do que o país incendiário.


III

Não há nada a ser feito. A fumaça envolve tudo.
Esperar que o fogo se canse
e se encerre sob a terra.

O ecoturismo, ou o forte da região,
os visitantes procuram espécies endêmicas, monstruosas:
os filósofos que sustentam que o impeachment só deve ser usado quando indevido,
os pastores que anunciam o messias no milagre da eleição do peculato,
os jornalistas que anunciam que genocídio, desertificação, corrupção, incêndio, assassinato político,
apologia ao trabalho escravo e doação paga do país aos estrangeiros,
nada disso é motivo para impeachment,
tudo não passa de constitutional hardball
se o governante não é de esquerda.

A cada momento que o vento mudar,
as faíscas ocultas podem voar até você,
o fogo envolvê-lo inteiro
como o capital.


IV

O sacrifício da onça 
das patas queimadas;

antes sacrificar o país do que uma onça,

embora talvez a morte dela
seja o anúncio do fim do país.


V

Não basta impeachment,
mas a explosão de palácios.

Cupins não adiantariam,
o palácio é tanto mais vasto
quanto mais oco.

Os animais tentam passar meio cegos
pelas áreas em brasa;
morrem com as patas queimadas.

A explosão dos palácios
fecharia os braços da fumaça,
abriria os olhos dos animais.


VI

As patas em chama da onça
pisam sobre o país,
incendeiam-no.

Para andar neste país
é necessário imitar o fogo.

O que foi encerrado com a cinza?
O calor? As águas? Não
a fome.


VII

Uma arquitetura inspirada em tocas de ratos.
Uma política plagiadora
não exatamente da arquitetura que copiou as tocas de ratos,
mas da falta de saneamento
e redes de esgoto
das tocas de ratos.

Na garatuja ininteligível
dos planos que previram a falta de esgoto e saneamento
de tocas de ratos
abriga-se todo o governo.

Bombas apenas não serão suficientes
para demolir a falta.


VIII

A onça vive.

Seus dentes têm chamas.

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