Em setembro, apresentei um trabalho no Congresso Internacional 200 Años de Iberoamérica na Universidade de Santiago de Compostela. Estive em mesa dedicada à justiça de transição, que foi muito bem coordenada pelos historiadores uruguaios Silvia Dutrénit Bielous e Enrique Coraza de los Santos.
O trabalho,"Ditadura Militar na América Latina e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos: (In)justiça de transição no Brasil e na Argentina", como publicado, não representa o estágio atual da pesquisa. Antes dele, eu havia publicado um texto mais curto, e teoricamente um tanto diverno, no Sopro: "Nem justiça nem transição: a lei brasileira de anistia e o Supremo Tribunal Federal". Todavia, aponta para o que estou trabalhando hoje e refere-se a documentos do DEOPS/SP com que outros pesquisadores ainda não trabalharam. Eis o resumo:
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, por meio tanto
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos quanto da
Corte, apresenta, desde a década de noventa, significativas
decisões sobre o legado autoritário das ditaduras militares
na América Latina das décadas de 1970 e 1980, e sobre a
responsabilidade do Estado e dos agentes públicos a respeito dos
crimes contra os direitos humanos cometidos por esses regimes
políticos autoritários. As decisões da Comissão e da Corte
Interamericana de Direitos Humanos tiveram importante papel
na Argentina para o estabelecimento da justiça de transição.
No entanto, no Brasil, não só não houve responsabilização
pelos crimes da ditadura, como há uma resistência, tanto do
Poder Executivo quanto do Judiciário, contra a fiscalização
internacional nessa matéria. O trabalho tem por objetivo fazer
um estudo comparativo entre os casos do Brasil e da Argentina
no tocante às decisões do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos em matéria de justiça de transição e sua eficácia no
plano interno.
A jurisprudência da Suprema Corte argentina diverge radicalmente do Supremo Tribunal Federal brasileiro no uso das fontes do Direito Internacional dos Direitos Humanos: no Brasil, elas foram ignoradas e a lei de anistia aprovada no governo do General Figueiredo foi mantida.
A dimensão comparativa não está completa, no entanto, tanto no aspecto do tratamento das fontes quanto no contexto histórico-político. No dia da apresentação, acabei dando mais ênfase ao caso brasileiro (o que também ocorre no texto), apesar de ter avançado na comparação, pois havia muitos argentinos na plateia e nenhum pesquisador brasileiro do tema estava nessa mesa. As curiosidades estavam voltadas para o caso do Brasil, que é mal conhecido na Espanha.
Pude confirmar, no Congresso, que os pesquisadores espanhóis, em regra, evitam o Brasil quando se dedicam à América Latina. Uma das razões, claro, é o idioma. A exceção era Elena Martínez Barahona, professora de Ciência Política da Universidade de Salamanca, que apresentou trabalho (escrito com Sebastián Linares Lejarraga) sobre justiça de transição, impunidade e violência em El Salvador e no Brasil (ela deixou o caso brasileiro para minha análise, no entanto).
Constatei também que não havia nenhum português nas mesas que frequentei do Congresso, o que era curioso, tendo em vista a proximidade da Galícia (tanto geográfica quanto linguística) das terras lusitanas.
O texto que escrevi pode ser lido nesta ligação:
http://halshs.archives-ouvertes.fr/docs/00/53/12/73/PDF/AT12_Fernandes.pdf
Uma nota: Tirei a foto acima em julho de 2010, na Praça de Maio em Buenos Aires. Trata-se de acampamento de veteranos da Guerra das Malvinas - também eles não querem ser esquecidos.