O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Universos paralelos da educação II: avaliações imaginárias


Imagine que um governo quisesse fingir que está a avaliar seriamente o ensino superior. E criasse um grau de avaliação aparentemente esotérico, composto de ingredientes que se combinam em exatas proporções enganadoras, como toda poção que se preze.
Se 30% desse grau vier da diferença entre o resultado dos ingressantes e dos concluintes, e 10%, das percepções dos alunos, basta dizer aos ingressantes que podem entregar metade da prova em branco, se quiserem - afinal, é tão desumano fazer provas, e ainda ter que responder a questões, e talvez até mesmo pensar sobre elas. Dessa forma, o resultado dos concluintes, por mais decepcionante que seja, ainda será melhor.
Dever-se-á também instruir os alunos - ingressantes e concluintes, por igual - a dizer que a infraestrutura e o plano de ensino são ÓTIMOS, irretocáveis. Não será mentira, e sim mera expressão visceral da subjetividade: uma biblioteca com três livros é grande demais para um aluno que jamais lerá nada até se formar (depois, não é problema nosso: de qualquer forma, estará desempregado e não terá cabeça para ler), e outra com trinta mil livros pode ser pequena para um outro tipo de aluno, mais raro, o que é estudante.
Digamos que a nota dos ingressantes corresponda a 15% da poção; mesmo assim, em cursos em que o aluno se forma sem ter aprendido nada, o mais seguro é assegurar os 30% da diferença entre concluintes e ingressantes, e fazer com que o pouco inicial seja menor do que o pouco final.
Se o resto da avaliação disser respeito aos professores, tudo bem. É fácil arranjar gente com título, que, aliás, não significa conteúdo. Doutores podem dar uma aulinha só, ou nenhuma, e alugar seu nome para a instituição. Regime de trabalho parcial! O grosso das turmas ficará com os horistas especialistas, que trabalham baratinho e sabem o necessário para ensinar tudo aquilo que os alunos já sabiam antes da matrícula.
A criatividade sempre é estimulada com avaliações. É necessário ser criativo, o que é muito diferente de fraudulento - os fraudulentos são punidos. Podem-se agregar ao curso professores que um dia substituíram alguém que efetivamente leciona nele, ou que já o fizeram em tempos idos, desde que esses professores eventuais ou virtuais tenham doutorado ou mestrado. Em alguns casos, o número de professores igualará, para efeitos da avaliação, o de alunos.
Ainda no tocante a esses profissionais, é evidente que não precisam receber pelo título, que só deve valer para favorecer a instituição em avaliações, não para distinguir salariamente em relação aos professores que possuem apenas especialização.
Pronto! Assim, dá para atingir o mínimo, talvez até superá-lo, se os alunos conseguiram atingi-lo.
É claro que, atingido apenas o mínimo, sempre se poderá divulgá-lo como um êxito - afinal, era tão improvável! Se 9 cursos atingiram tão-só o suficiente, e 1 não chegou nem a isso, sempre se pode divulgar o fato como 90% de êxito! Os futuros alunos não entenderão mesmo os números, e, por conseguinte, a mensagem atingirá exatamente o público-alvo.
Enfim, não há como perder! Mesmo na eventualidade de notas baixas, não há problema. Imagine que já tenha sido verificado que cursos reprovados tiveram aumento do número de matrículas após a divulgação da avaliação! Se os resultados forem negativos e a imprensa alardeá-los (ingrata, apesar dos anúncios de página inteira feitos toda a semana), a notícia servirá de alvissareira propaganda para um grande público, interessado em um ensino que seja à sua imagem e semelhança.
Imagine agora que as duas maiores universidades nesse país (não em número de alunos, mas em produção científica - por alguma razão que me escapa, a maior no primeiro requisito é muito pequena no segundo) recusem-se a participar desse processo de avaliação.
Não há problema: ninguém naufraga, embora s enade no nada.
Depois de tanto imaginar, o vômito pode ser real e irreprimível.
O real, de fato, é irreprimível.

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