O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 17 de abril de 2011

Daniel Murray e o violão de Tom Jobim II


Já saiu o disco novo de Daniel Murray, totalmente dedicado a Tom Jobim, sobre que já escrevi. Comprei-o no Rio de Janeiro na semana passada. Além de encontrar-se nas poucas lojas de discos que se interessam por música, ele pode ser adquirido no portal desse músico, ou pela Delira Música, que o lançou.
A capa e a contracapa são jobinianas ao mostrarem Murray no meio do mato. Embora o violonista não tenha preferido as músicas de temática ecológica ("Passarim", por exemplo, não está no disco), de qualquer forma uma minoria na produção do compositor, a natureza aqui é outra e se confunde com a arte: Jobim comparava sua ligação à música com o seu elo com a natureza.
Pode-se ler no livro de Helena Jobim sobre o irmão, Antonio Carlos Jobim: um homem iluminado, a entrevista que ele concedeu a Carlos Lacerda. O músico fala mais de ecologia do que de sua arte. Porém, ao insistir nessa preocupação com o mundo, falava de si mesmo, como notou com perspicácia Lacerda.
Depois de ouvir o disco pronto, tenho pouco a acrescentar ao que anotei em 2010. Os arranjos de Paulo Bellinati (a maior parte das canções), do próprio solista e de José Edwin Murray parecem-me traduzir muito bem a música de Tom Jobim, que não tem notas demais nem de menos - uma economia de meios para o que Silvio Ferraz, no Livro das sonoridades, chamou de "harmonia improvável".
Para quem está acostumado a ouvir essas canções com uma voz, creio que somente uma faixa deixará saudade do canto: "Por toda a minha vida", por culpa de Elis Regina (no disco que gravou com Tom), que desmoralizou, com seu drama contido, todas as interpretações pretéritas e posteriores dessa canção.
Sendo Murray não somente o grande instrumentista, mas um pesquisador e professor, preciosidades menos conhecidas de Tom Jobim (como "Antigua") podem ser (re)descobertas, ao lado de peças célebres. A suíte "Gabriela" foi gravada integralmente, o que não é comum (lembro agora apenas de André Mehmari e Ná Ozzetti, em seu disco conjunto Piano e voz).
Para quem quiser apreciar a versatilidade expressiva de Daniel Murray, aconselho comparar a cantilena de "Estrada branca" (a melancolia pulsa, talvez mais livre, porque sem a palavra), com a leveza de "Garoto" e os diferentes climas de "A felicidade", criados pelas possibilidades de ataque e de dinâmica de que Murray dispõe.
O disco deixa de indicar quem fez o arranjo de "Eu te amo", mas é do próprio violonista. E apresenta um erro na minutagem: em vez de 37 minutos e 41 segundos, tem 44'50. De fato, ele oferece ainda mais do que parece nos prometer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário