Lançarei um livro inédito de poesia, Código negro, no Pari Bar (Praça Dom José Gaspar, 42 - República), em São Paulo, dia 18 de maio de 2013, às 16 horas - ou seja, ainda antes da Virada Cultural. A boa notícia é que o farei com Veronica Stigger, que fará o lançamento paulista de Delírio de Damasco. Os dois saem pela Editora Cultura e Barbárie (http://www.culturaebarbarie.org/), em edições artesanais.
O livro de Stigger reúne frases que, segundo a autora, "contêm elementos que fazem o leitor pensar, imaginar o que pode estar ali por trás". Ele nasceu de uma exposição realizada no SESC que acabou sendo levada, com o título Sarau, para a embaixada brasileira na Bélgica em dezembro de 2012.
Trata-se, pois, de um livro que transita entre gêneros (o que é uma das marcas da autora), e que, por aludir a conversas ouvidas no espaço público, também se move sem fixar-se entre os sujeitos das enunciações.
Sete das matérias já escritas sobre Delírios de Damasco podem ser lidas nesta ligação: http://culturaebarbarie.org/ddd.html#.UYYU4sq6reM
Código negro foi escrito pouco depois de O palco e o mundo, que foi meu primeiro livro, publicado em Lisboa pela &etc em 2002. O Código ganhou menção honrosa no Nascente, da USP, em 2002, e no prêmio de poesia da Funalfa em 2004. No entanto, só teve uma oportunidade de publicação agora, que a Editora Cultura e Barbárie me solicitou um título para a coleção pseudo-.
Nunca publiquei anteriormente esta poesia. Para curiosidade de quem ler esta nota, incluo as duas epígrafes da obra e o segundo poema:
[...] fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso.
As leis concernentes à escravidão [...] serão pois
As leis concernentes à escravidão [...] serão pois
classificadas à parte e formarão o nosso Código Negro.
Teixeira de Freitas
Teixeira de Freitas
the qualities of the heart need darkness
Hannah Arendt
Código Negro: A Língua
I
Escapar à noite desta noite;
não desta, que chamará o dia,
nem da próxima, que não é hoje
e nunca o será mesmo se ainda.
Maldizer a noite desta noite;
o que, porém, a insultaria,
como se a noite um nome não fosse
fugidia escorre jamais dita.
Nunca haver a noite desta noite;
vazio, o que ao céu restaria
senão este nunca, um morto nome,
e a noite, um corpo vivo no dia?
Que me escape e me tenha e maldiga
a noite desta noite; eu a vejo,
como os cegos amam o vermelho
assim a possuo e chamo vida.
II
O que se possui e o que se perde
ambos estão no mesmo tesouro;
um de outro não se reconhece,
senão por maior ou menor logro.
Duelam pelo próprio engodo
o que se possui e o que se perde;
para dizer qual deles é o outro
montam-se, relincham e competem.
Ao que se possui o que se perde
cavalga e chega do nu envolto;
vestido de si, o seu oposto
vale apenas quanto o avesso despe.
Miséria e tesouro são estrangeiros
à fortuna jamais pertencida;
como os cegos odeiam o vermelho
não a conheço e a acuso de vida.
III
Nenhuma acusação diz a língua
da culpa; ignora-a quem acusa,
tampouco a ouve a suposta vítima
que na fala verdade supunha.
Na culpa também verdade alguma,
fala o diga, língua não o ensina,
norma, condenado e testemunha
julgam: é o juiz que sentencia
e não a língua, que, impoluta,
na acusação não se denuncia,
reputa-se, mesmo se a lei grita,
muda como puta quando chupa.
Condena-me a dar quanto não tenho
a verdade que goza na língua;
os cegos bolinam o vermelho,
e os gemidos nada denunciam.
IV
O farol não vê, ele persegue,
mas, como os tolos, não sabe o quê;
soubera-o, deixaria de dizer:
aquele que viaja amanhece.
O farol não diz, ele acontece,
embora siga os loucos na tese
de que a lua só emudeceu
quando o discurso chegou ao céu.
O farol não sabe, está presente,
pois, semelhante aos mortos, descrê
em destino, incrédulo escarnece
do aprendizado que não é ser.
Para tolos, loucos e mortos brilha
o que só com luz aponta o negro
como os cegos sangram o vermelho
e é a morte que diz segue à vida?
V
Como os cegos amam o vermelho,
para tolos, loucos e mortos brilha
o que só com luz aponta o negro:
a noite desta noite, eu a vejo,
miséria e tesouro são-lhe estrangeiros,
e para que não a perca ao dia
condena-me a dar quanto não tenho
como os cegos odeiam o vermelho.
Que me escape e me tenha e maldiga
a fortuna jamais pertencida;
os cegos bolinam o vermelho,
a verdade que goza na língua.
Como os cegos sangram o vermelho
a vida escapa à noite da língua?
P.S.: Em homenagem aos índios brasileiros, que estão exercendo plenamente a política ocupando o empreendimento ecocida de Belo Monte, lembro de dois trechos dos livros. De Veronica Stigger, temos esta frase, "Mataram um monte de índios para construir Brasília", abaixo em um dos cartazes expostos no SESC.
Não se pode acusar Belo Monte de violar valores tradicionais do Estado brasileiro...
Não escrevi sobre a capital nem sobre os índios em Código negro. No entanto, nele há um poema de amor (todos os poemas são de amor), chamado "Reforma urbana" (título bem típico), com este trecho, que se refere à ideologia desenvolvimentista. Dilma Rousseff, ressuscitando doutrinas da ditadura militar, vem tentando implementá-la no país:
veja as ruas, hoje sem sombra; já associavama queda das árvores à elevação da economia,o engarrafamento à aceleração do progresso.
Para acompanhar essa luta dos índios, sugiro a leitura do Xingu Vivo (http://www.xinguvivo.org.br/) e do Combate ao Racismo Ambiental (http://racismoambiental.net.br/). E temos a Ocupação Belo Monte: http://ocupacaobelomonte.wordpress.com/.
A grande imprensa está servindo como Diário Oficialesco do governo, lembra Idelber Avelar: https://www.facebook.com/idelber.avelar/posts/10151485726032713
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