O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Desarquivando o Brasil LXXIII: Estudante, operário e assassinado: audiência sobre Olavo Hanssen




Na próxima segunda-feira, dia 18 de novembro, a partir das 9 horas, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" realizará uma audiência pública sobre o caso de Olavo Hanssen.
Trata-se de um dos casos mais emblemáticos da ditadura militar, embora ele não esteja entre as vítimas de maior fama, em razão de suas circunstâncias e desdobramentos: preso em São Paulo por distribuir panfletos considerados subversivos (ele tinha outras passagens pela polícia, todas pela mesma razão), na data significativa do Primeiro de Maio (já escrevi como esse dia era considerado "sensível" pela repressão: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2013/05/desarquivando-o-brasil-lviii-o-primeiro.html) foi torturado e envenenado; seu corpo, abandonado perto do Museu do Ipiranga. Seu caso gerou dois procedimentos internacionais contra o Estado brasileiro, e em um deles a ditadura foi desmascarada no exterior.
Em 25 de maio deste ano, a Comissão fez um belo ato em sua memória, que relatei nesta nota: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2013/05/ato-em-memoria-de-olavo-hanssen-e.html


Antes de ser operário na indústria química, ele foi estudante da Politécnica da USP. Seu nome, escrito erradamente (expliquei esse problema na nota que acabei de citar), está incluído no memorial às vítimas da ditadura militar, com menos de um ano e já quase em ruínas, que a USP ergueu em recôndito canto da Praça do Relógio. Ao lado, foto que tirei no mês de setembro deste ano.
Hanssen foi um jovem da periferia, com brilhante inteligência, que logrou em 1960 passar para engenharia de minas na USP. Sua irmã, Clarice Hanssen, em depoimento dado ao biógrafo Murilo leal (Olavo Hanssen: uma vida em desafio. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013), destacou a alegria da família por esse sucesso. No entanto, depois de dois anos de curso, o Partido Operário Revolucionário Trotskista, a que ele pertencia, decidiu pela proletarização de seus quadros. ele foi para a indústria química e para a política sindical.
Esse Partido, uma das pequenas organizações clandestinas de esquerda da época, não fazia luta armada. Hanssen só foi preso por distribuir panfletos, a primeira vez em 1963, quando ainda estava na USP. Como em 1970, os papéis referiam-se a Cuba.
A repressão à liberdade política e a censura já existiam antes do golpe militar, o que é às vezes ignorado. No governo Médici, porém, é que ele foi torturado e morto, e justamente quando o governo federal emitia um comunicado oficial de que não existia tortura no Brasil... A ideia negacionista de que somente "perigosos terroristas armados" é que foram mortos "em legítimo combate" pelas forças de repressão política encontra um poderoso desmentido no seu caso.
Seu caso serviu também para mostrar o conluio entre Executivo e Judiciário nos crimes contra a humanidade: o inquérito correspondente, aberto depois de denúncias de sindicatos, do MDB e de Sobral Pinto, foi arquivado sob o pretexto absurdo de que Hanssen poderia ter-se suicidado (a lista de ferimentos indicados no laudo necroscópico não deixa dúvidas sobre as sevícias).
No entanto, o caso foi marcante também por ter sido um dos que desmascarou no plano internacional a fachada democrática que a ditadura militar tentava ostentar. O assassinato foi noticiado também no exterior, e gerou uma pioneira condenação contra o Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Ainda restam indagações sobre sua morte: o que precisamente lhe ocorreu depois que foi retirado, em vida, do DOPS/SP? Foi levado diretamente ao Hospital do Exército? Quando lhe foi injetado veneno? Por que decidiram abandonar seu corpo?
Seu caso é exemplar também de nossa ignorância sobre o passador recente: até este ano, praticamente todas as publicações (inclusive as poucas que fiz) escreviam seu sobrenome com apenas um s, a partir de um erro do próprio DOPS, como se vê no documento ao lado, disponível no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, em que o chefe do Arquivo Geral do DOPS afirma não ter foto alguma de Olavo Hanssen, assassinado no ano anterior.  Em P.S., a mentira oficial: "o epigrafado suicidou-se o ano passado".
Contra o apagamento do nome, da imagem e da história, será realizada mais esta audiência.

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