As Mães de Maio
nós vimos
através
dos
buracos da mão
que as
balas deixaram
quando
ele tentou se proteger;
nós vimos
através
das
rachaduras no berço
após
atirarem em galhofa
na
barriga de nove meses:
"antes
de nascer um ladrão,
roubamos
dele o nascimento";
(decretada a proibição dos velórios
por excesso de mortos)
nós vimos
através
da porta
da rua aberta
com a
chegada do despejo coletivo
após
executarem em plena rua
os que
podiam pagar o aluguel;
através
da perícia
jamais realizada
nas armas do Estado
encapuzadas de dinheiro e sangue;
jamais realizada
nas armas do Estado
encapuzadas de dinheiro e sangue;
(o Estado continua seu trabalho:
saindo do velório permitido,
os jovens caem baleados)
através
do parecer jamais escrito
pelo
procurador-geral; através
da
decência do governador
e outras
imaterialidades,
sua
inocência de declarar
"não
foi morto quem já não vivia";
vimos através da
agenda presidencial
inexistente
para
tratar dos que não existem ao poder;
(os que não caem são presos,
presos porque vivem)
através
dos gritos
calados
no túmulo
pelas
folhas da imprensa
pelo
estado da imprensa
para a
qual eles nunca viveram;
vimos através
da declaração de guerra
jamais
feita
porque as
bombas são tão mudas quanto os corpos;
(presos porque, mesmo autorizado,
um velório denuncia
a natureza do Estado)
das trompas
e ovários extirpados pela dor;
dos netos
não nascidos
ainda
brincando no quintal;
através
de todo esse longo túnel
aberto na
carne deste país,
nós vimos
o próprio
país, um acidente
arrancado
ao mundo,
e reconhecemos
sua bandeira
nos
rasgos dos panos
que
cobrem os corpos
deixados
à rua
todos os
dias, todos os meses,
como os
de nossos filhos
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