O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Edições, história, censura: a imprensa de ontem e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo tem cumprido a função que uma editora pública deve assumir: a publicação de obras de grande valor que são desprezadas e/ou ignoradas pelas editoras comerciais, ou que simplesmente exigem investimentos muito grandes, que uma empresa privada relutaria em fazer.
Hubert Alquéres, que foi seu diretor desde 2003, deixa-a. O governador Alckmin escolheu para substituí-lo Marcos Monteiro, tesoureiro do PSDB (função que provavelmente lhe conferiu alguma experiência em edição).
Quero destacar somente duas das várias iniciativas de recuperação da memória por esta editora. Uma delas, na gestão de Sérgio Kobayashi, a coedição com o atual Correio Braziliense do periódico homônimo do século XIX: o primeiro jornal brasileiro, editado por um homem só, Hipólito José da Costa.
Ele era impresso em Londres (no Império britânico havia liberdade de imprensa, não no português) e era distribuído aqui mais ou menos clandestinamente. O jornalismo brasileiro teve que nascer em exílio.
Circulou entre 1808 e 1822. Com a independência do Brasil, o jornal foi extinto por seu dono e redator, pois a missão estaria cumprida.
A edição fac-similar reserva momentos como esta reflexão, publicada pelo jornalista em dezembro de 1815 a partir da abolição do tráfico de escravos na França:

Consideramos por fim a utilidade da aboliçaõ da escravatura em outro ponto de vista. Nós temos sempre insistido na necessidade de abolir a forma de governo militar nas provincias do Brazil, o nosso periodico está cheio de clamores contra tudo quanto he authoridade arbitraria; temos mil vezes arguido, que os povos do Brazil tem direito a gozar daquella liberdade racionavel, que consiste em naõ estar sugeito se naõ ás leys, e naõ ao arbitrio dos que governam; &c. Ora ¿ como pòde um senhor, no Brazil, gozar destes beneficios; quando tem debaixo de seu poder um escravo, para quem olha quasi com a mesma consideraçaõ, como para o seu caõ, ou o seu cavallo?
¿ Como he possivel, que o homem branco profira os seus desejos de gozar de liberdade, tendo ao pé de si o negro escravo em todo o rigor da palavra?

A mentalidade escravista não morreu, e a ditadura militar deu-nos vários exemplos disso. Ainda no campo da história da imprensa brasileira, outro caso é o jornal ex-, que durou muito menos do que o anterior (de novembro de 1973 a dezembro de 1975) e foi fechado pela censura direta (militares na redação, prisão e tortura de jornalistas) e indireta (ameaças aos anunciantes) do governo ditatorial.
Em 2010, foi relançado, de forma fac-similar, em coedição da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com o Instituto Vladimir Herzog.
É de lembrar que foi esse jornal o que fez a reportagem pioneira sobre o assassinato de Vladimir Herzog no Destacamento de Operações Internas do II Exército, o que precipitou o fim do periódico, mas abriu portas para outros veículos da imprensa.
De um número extra desse jornal, de setembro de 1975, retiro citações que contrastam com certas posições sobre a imprensa brasileira de hoje.
Escrevi sobre o fim da coluna de Maria Rita Kehl no Estado de S. Paulo, como expressão de uma função censória. Li, no entanto, pessoas que sustentaram que os jornais devem expor apenas a voz do dono, que é dono das vozes que emprega (mesmo os colunistas!), pelo que nada demais teria ocorrido.
O que eu não sabia é que o acontecido colidiu com valores que já foram defendidos pelo próprio jornal, contrários à posição dessas pessoas. Pelo menos é o que se pode deduzir de fala de Ruy Mesquita, então diretor do Estado de S. Paulo e do Jornal da Tarde, no Grupo Educacional Equipe em São Paulo em 1o. de setembro de 1974.

[os jornalistas do Estado de S. Paulo] nos seus 98% discordam da orientação dos diretores do jornal e têm absoluta liberdade de escolher as notícias, assim como para estabelecer a hierarquia das notícias. O jornal O Estado de São Paulo, como todos os outros grandes jornais noticiosos do mundo, procura dar toda informação possível, sem nenhum critério ideológico ou político. (p. 4)

Quanto à orientação do jornal, é evidente: não há liberdade quanto à orientação da página editorial - quem dá a orientação são os diretores do jornal. Quanto ao trabalho dentro do jornal, há total liberdade com uma única recomendação: de se manter a objetividade humanamente possível na elaboração do noticiário. (p. 5)

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