Escrevi no mês passado sobre a manobra que a Prefeitura de São Paulo resolveu fazer decolar no Conselho Municipal de Habitação (CMH): restringir o direito de voto, exigindo pré-cadastramento em um período curtíssimo de três dias. O raciocínio parece ser este: quando menos eleitores, menos popular será o futuro Conselho, que trabalhará no estratégico ano que vem. Em 2012, teremos um ano que será eleitoral para os Municípios e eleitoreiro para os prefeitos.
[Nota: a eleição foi suspensa: http://opalcoeomundo.blogspot.com/2011/12/desbloqueando-cidade-v-eleicao-adiada.html]
Não sei se a manobra da prefeitura de Kassab decolou, eis que houve um esforço de cadastramento. A eleição será no dia quatro de dezembro, próximo domingo. Para quem tem dúvida em que chapa votar, recebi a seguinte mensagem do militante da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMMSP), advogado e conselheiro do CMH, Benedito Barbosa:
Dia 4/12 - Vote Chapa Unidade Popular
CMH SP N° 88
Leve documento com foto - RG
Neste dia 04 de dezembro das 8 as 17 horas nas Subprefeituras ocorrerá eleição do Conselho Municipal de Habitação - CMH SP. Participe!!
Vote 88
em defesa do mutirão com autogestão
em defesa da moradia na area area central
contra os despejos e remoções
em defesa da moradia para pessoa idosa
em defesa da moradia para mulheres chefes de familia
em defesa da regularização fundiaria
em defesa da urbanização de favelas
em defessa da recuperação e regularização dos conjuntos
por acesso a terra urbanizada e financiamento para moradia digna
Contatos e informações 36672309 - UMMSP
Veja que se trata de bandeiras não exatamente (ou nem um pouco) defendidas pela atual gestão municipal, o que é mais um sinal da importância da representação popular nesses órgãos.
O Estatuto da Cidade (lei 10257 de 2001), que completou dez anos, tenta expressar o princípio democrático e diversas vezes refere-se à participação popular. Ela será tão mais efetiva quanto mais organizada. Como diretriz geral da política urbana, encontramos, no artigo segundo, esta previsão: "II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;"
Trata-se de uma exigência constitucional. A relativa decepção desta primeira década de experiência do Estatuto da Cidade decorre, em parte, da timidez ou, de acordo com o Município, da inexistência dessa participação. Não basta que ela esteja prevista em lei: é preciso que esse direito decorra da prática.
No entanto, ele abriu um canal, que se deve explorar, e que antes estava, em geral, fechado. Lembro do antigo GEAP, Grupo Executivo de Assentamentos Populares, do Município do Rio de Janeiro, criado em 1993. Ele havia sido previsto pelo Decreto n. 12205 de 13 de agosto de 1993; nele, dispunha-se que o futuro estatuto regulamentaria a participação popular no órgão. Isso ocorreu no primeiro governo de Cesar Maia, que criou, no ano seguinte, a Secretaria Municipal de Habitação.
Alguns programas habitacionais foram planejados pelo GEAP, dos quais o mais famoso ficou sendo o Favela-Bairro, que foi financiado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A Prefeitura cumpriu todas as exigências legais do BID.
O mesmo não ocorreu no tocante às exigências para com a população: o Prefeito (e seu sucessor, Luiz Paulo Conde) jamais editou aquele estatuto, pelo que a participação popular na formulação das políticas de habitação ficou impedida pela falta de regulamentação - velho truque dos legisladores que gostam de prever o direito de forma que ele não possa ser exercido.
No próximo dia 4, há um direito a exercer no Município de São Paulo. Essa é uma das práticas de que depende a cidade.