O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Desarquivando o Brasil CLVIII: Literatura, pesquisa e catástrofe: Seminário no IEL-Unicamp e artigo na ELBC

Agora que sabemos que a investigação do assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes foi barrada na portaria do condomínio de J. e C. Bolsonaro, e que a investigação está com uma promotora bolsonarista do Ministério Público do Rio de Janeiro, seria previsível que E. Bolsonaro, sinalizando tanto o acuamento quanto a esperança dessa família, evocasse a ditadura militar e o AI-5 para uma das jornalistas preferidas da extrema-direita. Continuamos atolados no terreno da apologia ao crime político e de sua impunidade.
Faz parte da catástrofe explícita que está no poder, situação em que o ocupante da presidência da república anuncia abertamente que estimulou o crime ambiental e a destruição da Amazônia ("Bolsonaro diz que 'potencializou' queimadas por nova política para Amazônia"), que o imaginário e os instrumentos da ditadura seja a todo o tempo convocados para a legitimação da plutocracia tornada em escatocracia (proponho esta palavra agora, pensando em escatologia).
Faz parte da catástrofe no poder o ataque à pesquisa e à universidade - outra floresta que a escatocracia que tomou o poder deseja ver reduzida a cinzas.
Fiz uma pesquisa de pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas sob a supervisão de Eduardo Sterzi sobre justiça de transição e literatura brasileira contemporânea. Por essa razão, participarei do I Seminário dos Pesquisadores de Pós-Doutorado em Teoria e História Literária do IEL-Unicamp, que ocorrerá em 11 e 12 de novembro de 2019. Vejam a programação:


Um dos resultados da minha pesquisa foi este artigo publicado pela revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, "Poéticas da migrância e ditadura: exílio e diáspora nas obras de Julián Fuks e Francisco Maciel". Transcrevo o resumo:
O artigo trata da questão dos exílios e das migrações, em relação à ditadura militar, em dois autores da literatura brasileira contemporânea: Julián Fuks e Francisco Maciel. O romance A resistência (Fuks, 2015) é analisado segundo os conceitos de pós-memória (Hirsch, 2008) e privatização do trauma (Seligmann-Silva, 2014). Este romance, em sua tentativa de construir a memória da família relacionada ao exílio de pais argentinos e à adoção de um filho, retrata, nas dificuldades formais de escrever o livro, os problemas políticos do processo de justiça de transição no Brasil, em comparação com a Argentina. Na obra de Francisco Maciel, a discriminação racial contra a população negra é um tema central. A repressão política considerava que o movimento negro representava ameaça contra a segurança nacional. O artigo analisa a questão das migrações dos negros na obra de Maciel em termos de diáspora (Hall, 2003), e explica como ela não se torna apenas tema, mas também forma literária, no romance Não adianta morrer (Maciel, 2018). 
Interessaram-me as articulações entre a forma literária e o processo de transição política no Brasil, bem como as continuidades do imaginário autoritário, que agora assumiram o poder. Pretendo tratar ao menos desses autores e de Micheliny Verunschk no dia 11 de novembro. Espero ver como estarão o país e a progressão da catástrofe até lá; fato é que a situação não poderá ser sustentada nos atuais termos; precisa mudar para manter-se, ou então será erradicada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário