O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

"Um ano de vírus,/ dois anos de verme"

I

Um ano de vírus,
dois anos de verme,
todo o corpo
ocupado
como um planeta
sob asteroides.

Um ano de vírus,
dois anos de verme,
um universo
programado
para a implosão
das estrelas.

Um ano de vírus,
dois anos de verme,
os asteroides
trazem a
queda,
não minérios,

a explosão
não gera luz,
mas poeira,
é o que 
resta
das estrelas.

Após um ano
de vírus, o dobro
do verme,
que tempo
resta 
ao corpo,

que corpo
é este mudado
em tempo
medido
em verme
e febre,

no universo
cronometrado
pela poeira,
a imitação
que as estrelas
fazem do vírus?


II

Nenhum universo
na febre medida pelo verme,
apenas colisões do capital
com o sistema imunológico.

Mas o verme vê a febre
e nega o termômetro,
o colapso climático
e até o rubro das chamas

enquanto Roma arde
durante o concerto do vírus
feito só de gemidos
de agonizantes.


III

Morrem completamente isolados.
Com saudade não dos familiares, mas dos ares,
o oposto dos asteroides
que se inflamam
ao atingirem a atmosfera.


IV

Multidões ainda
levantam os gritos e espirros aos céus
orando para o verme,
que infecte todas as camadas geológicas
e logo não se distinga mais
entre a moléstia e a terra,
entre o solo e a devastação,
multidões oram 
por sacrifícios humanos
enquanto são abatidas,
ainda são multidões
essas que gradativamente
caem durante os urros e sussurros
aos asteroides
para que o vírus
torne tudo em pó
e assim todos eles
confundam-se
às estrelas
mortas, porém
vão caindo, e o voo 
das moscas que cobrem seus ossos
será tudo
que conhecerão do firmamento.


V

Um ano de vírus;
para o verme,
um começo de parceria,
quem sabe
uma fábrica de máscaras furadas para pandemias,
uma empresa de festas para febres coletivas,
um armazém do exército para remédios inúteis,
um serviço de disparo de mensagens 
de otimismo, deus e civismo,
mensagens sobre a vileza dos mortos
que caíram inertes
só para desmenti-las.

Verme e vírus
inventam um país
à imagem do empreendedorismo.
Também no sabor blue berry.


VI

O plantão durou dois anos.
Porém levamos mais tempo para descartar o material contaminado no lixo hospitalar.

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