Escrevi há poucos anos um ensaio sobre a literatura de Nuno Ramos até O pão do corvo. Talvez neste ano saia um livro coletivo com um capítulo que escrevi sobre seu livro de 2010, O mau vidraceiro.
Nuno Ramos é muito mais conhecido no Brasil do que no exterior, porém recente reportagem da revista The Economist certamente ajudará a projeção de sua obra.
Podemos reler nela a história dos urubus de "Bandeira branca", episódio em que Nuno Ramos foi intensa e injustamente atacado.
Felizmente, a matéria, "Ballad for a culture vulture" foi além disso, cumprindo a promessa do subtítulo: "A Brazilian artist and poet with a taste for obstinate materials and ideas". Decerto um poeta e artista.
Gostei de que mencionassem seu trabalho literário e de que Nuno Ramos caracterizasse o seu grande livro Ó como um tipo de poesia porque é "sobre nada". Sempre achei que o trabalho literário dele, tão híbrido, aproximava-se desse gênero.
Para mencionar apenas os dois livros sobre que ainda não publiquei, os interlúdios líricos de Ó são poesia, e vários textos de O mau vidraceiro pertencem à tradição do poema em prosa - à qual Nuno Ramos alude no título, que vem de um célebre exemplar do gênero escrito por Baudelaire.
Ademais, Nuno Ramos inclui nesse último livro, marotamente chamando-a de "Título", uma tradução de grande trecho desse poema de Baudelaire.
É claro que essa tradição sofre o mesmo que os vidros do vidraceiro do poeta francês: ela é estilhaçada - e, assim, o "lado belo da vida" é revelado no bairro pobre.
A brasilidade complexa, nem um pouco óbvia do trabalho de Nuno Ramos é referida na matéria da revista (Jacopo Crivelli Visconti compara-o a uma quarta-feira de cinzas), que também dá a ótima notícia, que eu não havia lido antes, de que em maio teremos livro novo de Nuno Ramos (de poesia), a ser publicado pela Iluminuras.
Note-se que a revista The Economist, para certos assuntos uma fonte segura de informação, pensa que o idioma falado no Brasil é o espanhol: "Instituto Brasileno del Medio Ambiente". A Carta Capital, que reproduz conteúdo dessa revista, poderia avisar o periódico irlandês, perdão, inglês.
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
domingo, 27 de fevereiro de 2011
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Após 400 anos II: a navalha gentil de Rossini
Já escrevi sobre a coleção de ópera resgatada com algumas alterações pela Folha de S. Paulo. Mas eu ainda não tinha visto nenhum volume, pois os dois primeiros eram discos que eu já possuía.
Comprei o terceiro, O Barbeiro de Sevilha, pois a gravação que está nas bancas, de 1952, regida por Serafin, não havia saído na encarnação anterior da coleção. Como essa ópera parece essencial a coleções desse tipo, a de 2007 também a trouxe, mas em gravação de 1997 com Flórez ainda muito jovem, Gruberova e Chernov.
Somente agora descobri, portanto, que nessa coleção da Folha ocorreu o corte de duas seções, a de história do gênero operístico e a de discografia e videografia recomendadas. Mas a explicação da ópera objeto da gravação permanece, e é bem feita. Ainda a acompanham, além do libreto no original e na tradução portuguesa, algumas notas críticas a respeito do disco, que são sutilmente sinceras.
Tendo em vista a falta de sutileza e de agilidade de Gino Bechi (discretamente, afirma-se no disco que a voz dele é para Verdi), a voz limitada de Nicola Monti, a regência sem brilho de Serafin (nesta gravação; em geral, ele é muito bom para a ópera italiana do século XIX), o destaque deve ser mesmo para a Victoria de los Ángeles que, sozinha, vale o disco.
Ela era soprano e, nessa gravação, bem jovem. Não há por que duvidar de seus agudos. No entanto, ao contrário de Gruberova (a cantora que interpretou a Rosina na primeira edição da coleção das grandes óperas), ela optou por cantar a versão original, que é confortável para meio-soprano, e mais bonita do que as tentativas de Lily Pons e quejandas de reescrever a ópera para adaptá-la à sua vaidade vocal.
(Para não acharem que detesto Rosinas sopranos - Rossini, ele mesmo, adaptou o papel para esse tipo de voz, aprecio muito esta interpretação de Maria Callas, que canta um "mi lascio reggere" e "sarò una vipera" com voz de jovenzinha, efeito que não tenta nas duas gravações de estúdio, e acentua sem exagero o "guidarrrrrmmmma").
A história, como se sabe, vem de Beaumarchais, assim como As bodas de Fígaro de Mozart. A ação das duas óperas reflete a sociedade estamental e o poder dos nobres.
Na de Rossini, moça apaixonada por moço tem que driblar seu tutor, que quer casar com ela. No final, o tutor é logrado. Um clichê da época. Rosina, a moça, acha que o moço é pobre. Amor verdadeiro, pois. Quando descobre que ele é também conde, une-se o útil ao agradável.
Lembro quando, adolescente, vi essa ópera pela primeira vez em uma fita VHS. Fiquei irritado com a figura do Conde, que resolve todas as confusões apelando para o seu estatuto de nobre e para privilégios - é um intocável. No final, ameaça atirar em Basílio, o professor de música. Sua arrogância denota a violência estrutural daquela sociedade.
Rossini não questiona esse estado de coisas, embora já vivesse no desmanchar do Antigo Regime. Mozart (embora anterior ao músico italiano), ao contrário, não poderia deixar de ser subversivo, e ele tinha Da Ponte a seu lado - não por acaso estes dois ficaram com a parte politicamente subversiva da história (As bodas de Fígaro, em que o Conde acaba sendo enganado e desmascarado).
O clichê da mocinha que quer casar e do tutor que a deseja (e assim não precisa pagar o dote para ninguém) ficou para o Rossini.
Dito isso, essa ópera é realmente imortal. Tornou-se célebre a história do encontro desse compositor com Beethoven que leu a partitura do Barbeiro e a achou muito engraçada - e disse para Rossini só compor óperas cômicas, pois os italianos não teriam conhecimento musical para as sérias... Eu gosto das óperas sérias de Rossini (como Ermione), mas devo concordar com Stendhal (Vie de Rossini) que, nessa ópera, Rossini é "eminentemente ele mesmo":
Contra que "gênio musical" Rossini estava a lutar?? Paisiello, que havia composto décadas antes uma ópera sobre o mesmo libreto! Quase dois séculos depois, nossa avaliação é muito diferente...
Mesmo nesta gravação que a Folha de S. Paulo agora vende, que não é excelente, pode-se notar a grandeza da ópera de Rossini e seus conjuntos, claro (sorrio só ao lembrar de "Buona sera, mio signore"), com os efeitos de crescendo típicos de Rossini; também das árias, que podem ser muito engraçadas - Becchi consegue bradar a famosíssima ária do Fígaro (que para muitos é sinônimo de ópera - na ligação, cantada pelo classudo Thomas Allen), embora às vezes pareça que o barítono italiano está a ameaçar seus fregueses com a navalha. Ele faz mais barulho do que deveria, e as risadinhas não ajudam. Tito Gobbi parece leve perto dele. Lembro de Paulo Fortes, o grande barítono brasileiro, contando como se surpreendeu ao descobrir, na Itália, Bechi tentando recuperar a voz, prejudicada em virtude do uso abusivo.
Rossi-Lemeni canta a famosa ária da calúnia como se tivesse um ovo na boca (efeito cômico que não vale uma omelete), e é uma pena; mas Victoria de los Ángeles canta cheia de espírito "Una voce poco fa", ária que sempre me dá alegria, e "Contro un cor che accende amore", que Rossini compôs para a lição de música.
O disco da Folha traz o texto da "Cessa di più resistere", com o recitativo que a precede, entre colchetes (páginas 74 e 75). Isso ocorre porque a ária não foi gravada, inacessível que é para uma voz como a de Nicola Monti - e para quase todos os tenores dessa época. Ouçam-na aqui por Juán Diego Flórez. Quem conhece A Cinderela (La Cenerentola em italiano) vai reconhecer a melodia de "Non più mesta"... Rossini, que tinha que correr em razão dos prazos, fazia muitos desses empréstimos de ópera a outra.
Às vezes fala-se dos anos 1950 como uma grande época para as vozes, mas cantor é como hortaliça e fruta: depende de safra. Essa década teve grandes intérpretes para Verdi (Bergonzi, Callas, Bastianini, Corelli...) e Wagner (Varnay, Hotter, Mödl, Windgassen...), provavelmente superiores ou muito superiores aos de hoje em dia, porém não tinha muitos tenores e contraltos que fizessem jus a Rossini. Hoje, eles existem.
A Folha resolveu começar a coleção com gravações muito fortes de duas grandes óperas (Fidelio e Carmen) por grandes maestros (Klemperer e Karajan) ao vivo regendo grandes cantores (os tenores Jon Vickers e Nicolai Gedda, por exemplo).
Este Barbeiro não está no mesmo nível, mas não trará demérito para a discoteca de ninguém, ainda mais pelo preço por que está sendo vendido.
Comprei o terceiro, O Barbeiro de Sevilha, pois a gravação que está nas bancas, de 1952, regida por Serafin, não havia saído na encarnação anterior da coleção. Como essa ópera parece essencial a coleções desse tipo, a de 2007 também a trouxe, mas em gravação de 1997 com Flórez ainda muito jovem, Gruberova e Chernov.
Somente agora descobri, portanto, que nessa coleção da Folha ocorreu o corte de duas seções, a de história do gênero operístico e a de discografia e videografia recomendadas. Mas a explicação da ópera objeto da gravação permanece, e é bem feita. Ainda a acompanham, além do libreto no original e na tradução portuguesa, algumas notas críticas a respeito do disco, que são sutilmente sinceras.
Tendo em vista a falta de sutileza e de agilidade de Gino Bechi (discretamente, afirma-se no disco que a voz dele é para Verdi), a voz limitada de Nicola Monti, a regência sem brilho de Serafin (nesta gravação; em geral, ele é muito bom para a ópera italiana do século XIX), o destaque deve ser mesmo para a Victoria de los Ángeles que, sozinha, vale o disco.
Ela era soprano e, nessa gravação, bem jovem. Não há por que duvidar de seus agudos. No entanto, ao contrário de Gruberova (a cantora que interpretou a Rosina na primeira edição da coleção das grandes óperas), ela optou por cantar a versão original, que é confortável para meio-soprano, e mais bonita do que as tentativas de Lily Pons e quejandas de reescrever a ópera para adaptá-la à sua vaidade vocal.
(Para não acharem que detesto Rosinas sopranos - Rossini, ele mesmo, adaptou o papel para esse tipo de voz, aprecio muito esta interpretação de Maria Callas, que canta um "mi lascio reggere" e "sarò una vipera" com voz de jovenzinha, efeito que não tenta nas duas gravações de estúdio, e acentua sem exagero o "guidarrrrrmmmma").
A história, como se sabe, vem de Beaumarchais, assim como As bodas de Fígaro de Mozart. A ação das duas óperas reflete a sociedade estamental e o poder dos nobres.
Na de Rossini, moça apaixonada por moço tem que driblar seu tutor, que quer casar com ela. No final, o tutor é logrado. Um clichê da época. Rosina, a moça, acha que o moço é pobre. Amor verdadeiro, pois. Quando descobre que ele é também conde, une-se o útil ao agradável.
Lembro quando, adolescente, vi essa ópera pela primeira vez em uma fita VHS. Fiquei irritado com a figura do Conde, que resolve todas as confusões apelando para o seu estatuto de nobre e para privilégios - é um intocável. No final, ameaça atirar em Basílio, o professor de música. Sua arrogância denota a violência estrutural daquela sociedade.
Rossini não questiona esse estado de coisas, embora já vivesse no desmanchar do Antigo Regime. Mozart (embora anterior ao músico italiano), ao contrário, não poderia deixar de ser subversivo, e ele tinha Da Ponte a seu lado - não por acaso estes dois ficaram com a parte politicamente subversiva da história (As bodas de Fígaro, em que o Conde acaba sendo enganado e desmascarado).
O clichê da mocinha que quer casar e do tutor que a deseja (e assim não precisa pagar o dote para ninguém) ficou para o Rossini.
Dito isso, essa ópera é realmente imortal. Tornou-se célebre a história do encontro desse compositor com Beethoven que leu a partitura do Barbeiro e a achou muito engraçada - e disse para Rossini só compor óperas cômicas, pois os italianos não teriam conhecimento musical para as sérias... Eu gosto das óperas sérias de Rossini (como Ermione), mas devo concordar com Stendhal (Vie de Rossini) que, nessa ópera, Rossini é "eminentemente ele mesmo":
Rossini, luttant contre un des génies de la musique dans le Barbier, a eu le bon esprit, soit par hasard, soit bonne théorie, d'être éminemment lui-même.
Le jour où nous serons possédés de la curiosité, avantageuse ou non pour nos plaisirs, de faire une connaissance intime avec le style de Rossini, c'est dans le Barbier que nous devons le chercher.
Contra que "gênio musical" Rossini estava a lutar?? Paisiello, que havia composto décadas antes uma ópera sobre o mesmo libreto! Quase dois séculos depois, nossa avaliação é muito diferente...
Mesmo nesta gravação que a Folha de S. Paulo agora vende, que não é excelente, pode-se notar a grandeza da ópera de Rossini e seus conjuntos, claro (sorrio só ao lembrar de "Buona sera, mio signore"), com os efeitos de crescendo típicos de Rossini; também das árias, que podem ser muito engraçadas - Becchi consegue bradar a famosíssima ária do Fígaro (que para muitos é sinônimo de ópera - na ligação, cantada pelo classudo Thomas Allen), embora às vezes pareça que o barítono italiano está a ameaçar seus fregueses com a navalha. Ele faz mais barulho do que deveria, e as risadinhas não ajudam. Tito Gobbi parece leve perto dele. Lembro de Paulo Fortes, o grande barítono brasileiro, contando como se surpreendeu ao descobrir, na Itália, Bechi tentando recuperar a voz, prejudicada em virtude do uso abusivo.
Rossi-Lemeni canta a famosa ária da calúnia como se tivesse um ovo na boca (efeito cômico que não vale uma omelete), e é uma pena; mas Victoria de los Ángeles canta cheia de espírito "Una voce poco fa", ária que sempre me dá alegria, e "Contro un cor che accende amore", que Rossini compôs para a lição de música.
O disco da Folha traz o texto da "Cessa di più resistere", com o recitativo que a precede, entre colchetes (páginas 74 e 75). Isso ocorre porque a ária não foi gravada, inacessível que é para uma voz como a de Nicola Monti - e para quase todos os tenores dessa época. Ouçam-na aqui por Juán Diego Flórez. Quem conhece A Cinderela (La Cenerentola em italiano) vai reconhecer a melodia de "Non più mesta"... Rossini, que tinha que correr em razão dos prazos, fazia muitos desses empréstimos de ópera a outra.
Às vezes fala-se dos anos 1950 como uma grande época para as vozes, mas cantor é como hortaliça e fruta: depende de safra. Essa década teve grandes intérpretes para Verdi (Bergonzi, Callas, Bastianini, Corelli...) e Wagner (Varnay, Hotter, Mödl, Windgassen...), provavelmente superiores ou muito superiores aos de hoje em dia, porém não tinha muitos tenores e contraltos que fizessem jus a Rossini. Hoje, eles existem.
A Folha resolveu começar a coleção com gravações muito fortes de duas grandes óperas (Fidelio e Carmen) por grandes maestros (Klemperer e Karajan) ao vivo regendo grandes cantores (os tenores Jon Vickers e Nicolai Gedda, por exemplo).
Este Barbeiro não está no mesmo nível, mas não trará demérito para a discoteca de ninguém, ainda mais pelo preço por que está sendo vendido.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Direito versus Literatura, parte I: biografia, censura e Benjamin Moser
Já vi um ou outro trabalho sobre direito e literatura escrito por pessoas que não conheciam nenhuma das duas áreas. Julgavam, portanto, que agiriam livremente em uma fronteira fugidia onde jamais seriam apanhadas por alguém desses dois campos.
No entanto, "direito e literatura" pode dar ensejo a propostas metodologicamente muito ricas e diversas, desde estudos de representações do direito na literatura (via geralmente escolhida pelos juristas que se aventuram nisso), a questões de hermenêutica, ao direito à literatura (Antonio Candido continua sendo a referência brasileira), e até a trabalhos que tentam ver a literatura como fonte e/ou como método do direito (o que me parece bem divertido).
Um campo riquíssimo de pesquisa nesse campo é o do direito contra a literatura. Num país de tradição bacharelesca, e de bachareis semiletrados, quem sai perdendo nesse embate inglório?
Exemplo da derrota da literatura é a progressiva desaparição de um gênero no Brasil, a biografia, por decisões judiciais.
Sobre o assunto, li há pouco uma entrevista de Benjamin Moser, autor de biografia de Clarice Lispector, Why this world. Foi publicada uma edição brasileira um tanto reduzida desse livro - foi excluída toda a seção iconográfica, o que é curioso para uma editora que começou publicando livros de arte.
Tive notícia do livro em resenha da revista The Economist, que o elogiava com as ressalvas de que o autor teria exagerado nas tintas do judaísmo de Lispector e que ele teria subestimado a capacidade brasileira de miscigenação com o estrangeiro.
O livro é melhor do que a resenha - e o autor, que empreendeu uma vasta pesquisa, foi a Ucrânia (onde Lispector nasceu) e lançou nova tese sobre a doença da mãe da escritora. Gostei também de ouvir Benjamin Moser, que fala muito bem português, em um dos lançamentos no Brasil.
Nesta entrevista dada a Claudio Leal, trata das dificuldades do gênero biográfico no Brasil em contraste com a situação nos Estados Unidos. Nesse país, o cantor hoje dedicado a navios não teria conseguido censurar integralmente a biografia escrita por um fã, nem as descendentes do grande jogador de futebol poderiam ter proibido provisoriamente o livro de Ruy Castro.
Tenho só algumas ressalvas ao que Moser escreveu: há trezentos anos, não se podia publicar nada no Brasil colônia, certamente, porque a imprensa era proibida; no entanto, não havia liberdade de expressão no Portugal do Absolutismo - publicar lá não seria uma boa saída.
Outro ponto: a censura varguista não era meramente "sutil", limitando-se a instrumentos como a proibição de importar papel. DIP, empastelamento de jornais, prisão e tortura de jornalistas integravam a receita de Vargas para reprimir os opositores. Depois de uma de suas prisões, o famoso Barão de Itararé (evidentemente, o maior nome da nobreza brasileira) pendurou na porta o tristemente cômico aviso: "entre sem bater".
A ditadura militar tampouco se limitava a ameaças, o cadáver de Herzog amargamente comprova esse fato.
Moser está certíssimo, contudo, em dizer que "a verdade é que a cultura brasileira precisa ser divulgada primeiro no Brasil". Entre os juristas também, me animo a dizer.
Mas se pode esperar algo das autoridades? Lembro do procedimento clamorosamente ilegal da Fundação Biblioteca Nacional contra os biógrafos, objeto desta justa queixa de Fernando Morais: "Eles estão exigindo agora que você leve autorização dos personagens citados na sua obra ou dos seus descendentes." Como fazer a biografia de um Casanova no Brasil? Sempre se pode provocar a ira de um tetraneto oriundo de algum encontro furtivo do conquistador!
A questão jurídica parece-me nula em termos dogmáticos, explicando-se apenas pela antropologia. O artigo 20 do Código Civil não proíbe biografias, apenas protege o direito de imagem - também dos mortos, em um momento necrofílico da augusta lei.
A verdade histórica é contrária à boa fama? Afirmar, como Elio Gaspari fez a partir de documentação, que Geisel autorizou o assassinato de oponentes à ditadura militar contraria a "respeitabilidade" ou a "boa fama" do ditador falecido?
Na prática, o direito à memória e à verdade, de natureza difusa, é negado por uma hipertrofia, realizada pelo Judiciário, do direito à imagem, que é individual. De que forma? Se a verdade sobre determinada pessoa pública é considerada ofensiva por um descendente ou pelo próprio, ela é proibida.
Trata-se de uma intepretação realmente singular: o direito à imagem significa, para tal jurisprudência, o direito à hipocrisia.
Essa notável construção jurisprudencial a partir de um curioso artigo do singular Código Civil brasileiro parece-me decorrer de uma cultura jurídica privatista, que faz prevalecer interesses individuais (lucros advindos da imagem dos falecidos) sobre direitos difusos (a verdade histórica).
Isso ocorre num país em que censura é proibida pela Constituição, porém permanece como valor e tradição autoritários.
É essa a dimensão antropológica. Veda-se, por conseguinte, o acesso à cultura brasileira, substituída pela hipocrisia judicialmente autorizada.
O atual ministro da justiça quer desarquivar substitutivo seu a projeto de Antonio Palocci para impedir a censura judicial a livros. O de Palocci era bem melhor.
Como o problema não é legislativo, mas próprio de uma cultura jurídica que lerá qualquer fonte do direito segundo sua ideologia privatista, resta a ver se a edição de nova lei adiantará alguma coisa.
A história do direito brasileiro não aconselha muito otimismo. Por exemplo, tratado internacional da ONU contra a tortura e lei federal, juntos, não foram suficientes para que boa parte dos juízes brasileiros fossem capazes de tipificar o crime quando ele era cometido pelos agentes da segurança pública, segundo relatório das Nações Unidas.
"O que acontece é que o jornalista ou o escritor tem um coronel na cabeça.", disse Benjamin Moser. Aqueles juízes também.
No entanto, "direito e literatura" pode dar ensejo a propostas metodologicamente muito ricas e diversas, desde estudos de representações do direito na literatura (via geralmente escolhida pelos juristas que se aventuram nisso), a questões de hermenêutica, ao direito à literatura (Antonio Candido continua sendo a referência brasileira), e até a trabalhos que tentam ver a literatura como fonte e/ou como método do direito (o que me parece bem divertido).
Um campo riquíssimo de pesquisa nesse campo é o do direito contra a literatura. Num país de tradição bacharelesca, e de bachareis semiletrados, quem sai perdendo nesse embate inglório?
Exemplo da derrota da literatura é a progressiva desaparição de um gênero no Brasil, a biografia, por decisões judiciais.
Sobre o assunto, li há pouco uma entrevista de Benjamin Moser, autor de biografia de Clarice Lispector, Why this world. Foi publicada uma edição brasileira um tanto reduzida desse livro - foi excluída toda a seção iconográfica, o que é curioso para uma editora que começou publicando livros de arte.
Tive notícia do livro em resenha da revista The Economist, que o elogiava com as ressalvas de que o autor teria exagerado nas tintas do judaísmo de Lispector e que ele teria subestimado a capacidade brasileira de miscigenação com o estrangeiro.
O livro é melhor do que a resenha - e o autor, que empreendeu uma vasta pesquisa, foi a Ucrânia (onde Lispector nasceu) e lançou nova tese sobre a doença da mãe da escritora. Gostei também de ouvir Benjamin Moser, que fala muito bem português, em um dos lançamentos no Brasil.
Nesta entrevista dada a Claudio Leal, trata das dificuldades do gênero biográfico no Brasil em contraste com a situação nos Estados Unidos. Nesse país, o cantor hoje dedicado a navios não teria conseguido censurar integralmente a biografia escrita por um fã, nem as descendentes do grande jogador de futebol poderiam ter proibido provisoriamente o livro de Ruy Castro.
Tenho só algumas ressalvas ao que Moser escreveu: há trezentos anos, não se podia publicar nada no Brasil colônia, certamente, porque a imprensa era proibida; no entanto, não havia liberdade de expressão no Portugal do Absolutismo - publicar lá não seria uma boa saída.
Outro ponto: a censura varguista não era meramente "sutil", limitando-se a instrumentos como a proibição de importar papel. DIP, empastelamento de jornais, prisão e tortura de jornalistas integravam a receita de Vargas para reprimir os opositores. Depois de uma de suas prisões, o famoso Barão de Itararé (evidentemente, o maior nome da nobreza brasileira) pendurou na porta o tristemente cômico aviso: "entre sem bater".
A ditadura militar tampouco se limitava a ameaças, o cadáver de Herzog amargamente comprova esse fato.
Moser está certíssimo, contudo, em dizer que "a verdade é que a cultura brasileira precisa ser divulgada primeiro no Brasil". Entre os juristas também, me animo a dizer.
Mas se pode esperar algo das autoridades? Lembro do procedimento clamorosamente ilegal da Fundação Biblioteca Nacional contra os biógrafos, objeto desta justa queixa de Fernando Morais: "Eles estão exigindo agora que você leve autorização dos personagens citados na sua obra ou dos seus descendentes." Como fazer a biografia de um Casanova no Brasil? Sempre se pode provocar a ira de um tetraneto oriundo de algum encontro furtivo do conquistador!
A questão jurídica parece-me nula em termos dogmáticos, explicando-se apenas pela antropologia. O artigo 20 do Código Civil não proíbe biografias, apenas protege o direito de imagem - também dos mortos, em um momento necrofílico da augusta lei.
A verdade histórica é contrária à boa fama? Afirmar, como Elio Gaspari fez a partir de documentação, que Geisel autorizou o assassinato de oponentes à ditadura militar contraria a "respeitabilidade" ou a "boa fama" do ditador falecido?
Na prática, o direito à memória e à verdade, de natureza difusa, é negado por uma hipertrofia, realizada pelo Judiciário, do direito à imagem, que é individual. De que forma? Se a verdade sobre determinada pessoa pública é considerada ofensiva por um descendente ou pelo próprio, ela é proibida.
Trata-se de uma intepretação realmente singular: o direito à imagem significa, para tal jurisprudência, o direito à hipocrisia.
Essa notável construção jurisprudencial a partir de um curioso artigo do singular Código Civil brasileiro parece-me decorrer de uma cultura jurídica privatista, que faz prevalecer interesses individuais (lucros advindos da imagem dos falecidos) sobre direitos difusos (a verdade histórica).
Isso ocorre num país em que censura é proibida pela Constituição, porém permanece como valor e tradição autoritários.
É essa a dimensão antropológica. Veda-se, por conseguinte, o acesso à cultura brasileira, substituída pela hipocrisia judicialmente autorizada.
O atual ministro da justiça quer desarquivar substitutivo seu a projeto de Antonio Palocci para impedir a censura judicial a livros. O de Palocci era bem melhor.
Como o problema não é legislativo, mas próprio de uma cultura jurídica que lerá qualquer fonte do direito segundo sua ideologia privatista, resta a ver se a edição de nova lei adiantará alguma coisa.
A história do direito brasileiro não aconselha muito otimismo. Por exemplo, tratado internacional da ONU contra a tortura e lei federal, juntos, não foram suficientes para que boa parte dos juízes brasileiros fossem capazes de tipificar o crime quando ele era cometido pelos agentes da segurança pública, segundo relatório das Nações Unidas.
"O que acontece é que o jornalista ou o escritor tem um coronel na cabeça.", disse Benjamin Moser. Aqueles juízes também.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Universos paralelos da educação II: avaliações imaginárias
Imagine que um governo quisesse fingir que está a avaliar seriamente o ensino superior. E criasse um grau de avaliação aparentemente esotérico, composto de ingredientes que se combinam em exatas proporções enganadoras, como toda poção que se preze.
Se 30% desse grau vier da diferença entre o resultado dos ingressantes e dos concluintes, e 10%, das percepções dos alunos, basta dizer aos ingressantes que podem entregar metade da prova em branco, se quiserem - afinal, é tão desumano fazer provas, e ainda ter que responder a questões, e talvez até mesmo pensar sobre elas. Dessa forma, o resultado dos concluintes, por mais decepcionante que seja, ainda será melhor.
Dever-se-á também instruir os alunos - ingressantes e concluintes, por igual - a dizer que a infraestrutura e o plano de ensino são ÓTIMOS, irretocáveis. Não será mentira, e sim mera expressão visceral da subjetividade: uma biblioteca com três livros é grande demais para um aluno que jamais lerá nada até se formar (depois, não é problema nosso: de qualquer forma, estará desempregado e não terá cabeça para ler), e outra com trinta mil livros pode ser pequena para um outro tipo de aluno, mais raro, o que é estudante.
Digamos que a nota dos ingressantes corresponda a 15% da poção; mesmo assim, em cursos em que o aluno se forma sem ter aprendido nada, o mais seguro é assegurar os 30% da diferença entre concluintes e ingressantes, e fazer com que o pouco inicial seja menor do que o pouco final.
Se o resto da avaliação disser respeito aos professores, tudo bem. É fácil arranjar gente com título, que, aliás, não significa conteúdo. Doutores podem dar uma aulinha só, ou nenhuma, e alugar seu nome para a instituição. Regime de trabalho parcial! O grosso das turmas ficará com os horistas especialistas, que trabalham baratinho e sabem o necessário para ensinar tudo aquilo que os alunos já sabiam antes da matrícula.
A criatividade sempre é estimulada com avaliações. É necessário ser criativo, o que é muito diferente de fraudulento - os fraudulentos são punidos. Podem-se agregar ao curso professores que um dia substituíram alguém que efetivamente leciona nele, ou que já o fizeram em tempos idos, desde que esses professores eventuais ou virtuais tenham doutorado ou mestrado. Em alguns casos, o número de professores igualará, para efeitos da avaliação, o de alunos.
Ainda no tocante a esses profissionais, é evidente que não precisam receber pelo título, que só deve valer para favorecer a instituição em avaliações, não para distinguir salariamente em relação aos professores que possuem apenas especialização.
Pronto! Assim, dá para atingir o mínimo, talvez até superá-lo, se os alunos conseguiram atingi-lo.
É claro que, atingido apenas o mínimo, sempre se poderá divulgá-lo como um êxito - afinal, era tão improvável! Se 9 cursos atingiram tão-só o suficiente, e 1 não chegou nem a isso, sempre se pode divulgar o fato como 90% de êxito! Os futuros alunos não entenderão mesmo os números, e, por conseguinte, a mensagem atingirá exatamente o público-alvo.
Enfim, não há como perder! Mesmo na eventualidade de notas baixas, não há problema. Imagine que já tenha sido verificado que cursos reprovados tiveram aumento do número de matrículas após a divulgação da avaliação! Se os resultados forem negativos e a imprensa alardeá-los (ingrata, apesar dos anúncios de página inteira feitos toda a semana), a notícia servirá de alvissareira propaganda para um grande público, interessado em um ensino que seja à sua imagem e semelhança.
Imagine agora que as duas maiores universidades nesse país (não em número de alunos, mas em produção científica - por alguma razão que me escapa, a maior no primeiro requisito é muito pequena no segundo) recusem-se a participar desse processo de avaliação.
Não há problema: ninguém naufraga, embora s enade no nada.
Depois de tanto imaginar, o vômito pode ser real e irreprimível.
O real, de fato, é irreprimível.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Após 400 anos, ópera e sussurros
Ópera é um gênero teatral muito divertido. Se a montagem é bem-sucedida, o que é especialmente difícil em certos casos (lembro de O Anel do Nibelungo - Der Ring des Nibelungen, de Richard Wagner, que exige cantores e orquestra de exceção, além de durar 14 horas), acho que nada é mais comovente.
Antes de tudo, deve-se lembrar que ópera não é um tipo de música. Pode-se compor uma com qualquer tipo - do canto medieval da proto-ópera O Auto de Daniel (Le Jeu de Daniel, do século XIII, composta por clérigos anônimos da Catedral de Beauvais) até o uso de música popular (jazz, rock). A música não precisa ser complicada: é necessário que seja dramática, isto é, que possa exprimir a variedade de emoções e de situações presentes no libreto.
Esse gênero teatral nasceu de um mal-entendido: a tentativa, no Renascimento italiano, de reviver o teatro grego, que era cantado, mas não todo cantado. Como tantas vezes ocorre em arte, iniciativas de recuperar o passado acabam instaurando novo presente.
Isso ocorreu no final do século XVI. No entanto, como a primeira obra-prima da ópera é Orfeu de Monteverdi, de 1607, foi em 2007 que foi lançada uma coleção para comemorar os 400 anos do gênero. Eu estava em Portugal quando ela começou a sair pela Prisa Innova, vendida nas bancas de jornais.
Eu tinha achado feliz a escolha dos títulos, que partiam do Barroco (Monteverdi, por exemplo) até a primeira metade do século XX (Alban Berg), incluíam obras muito conhecidas (La Traviata, de Verdi) e outras, mais obscuras, que merecem atenção (Proserpine de Lully). A escolha das gravações era, em geral, também feliz, com predominância de discos que já caíram no domínio público, como a gravação de Tristão e Isolda, de Richard Wagner, regida por Furtwängler. Mas também havia discos recentes, como a ópera de Lully e o Tito Manlio, de Vivaldi, em que Federico Maria Sardelli rege o Modo Antiquo.
Em 2008, essa coleção foi lançada no Brasil, porém com apenas 25 títulos e sem a seção de discografia e videografia recomendadas, que todos os números europeus tinham. A caixa de proteção dos discos foi também descartada.
Mesmo nessa versão reduzida e simplificada, era uma coleção a se fazer para quem não tinha aquelas gravações. Um dado importante é que todos os libretos apareciam no original e em tradução para o português, e foi mantida a seção de história da ópera.
Agora, em 2011, a Folha de S. Paulo ressuscita a coleção com um projeto gráfico parecido, porém diferente (pelo que se pode ver na propaganda), com uma escolha de gravações que largamente coincide com a de 2008, incluindo alguns que não tinham saído no Brasil, mas na Europa. Ignoro se as seções antigas serão mantidas.
As duas primeiras gravações são exatamente as mesmas que já saíram no Brasil, uma Carmen (a conhecida ópera de Bizet) regida ao vivo por Karajan com Nicolai Gedda como Don José, e Fidelio, de Beethoven, em gravação ao vivo do grande maestro Otto Klemperer, com a comovente Sena Jurinac conseguindo cantar quase todas as notas do papel-título.
Quem fez a coleção de 2008 irá provavelmente comprar somente as gravações que não saíram daquela vez, e que não são tantas. O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, é uma delas: antes tínhamos Juan Diego Flórez (o maior tenor ligeiro em atividade) e o virtuosismo vocal de Edita Gruberova nos papeis dos jovens enamorados; agora, uma gravação mais antiga, com a voz modesta de Nicola Monti e o belo timbre de Victoria de los Ángeles.
De diferente, também sairão O Guarani, de Carlos Gomes, em gravação interpretada por Placido Domingo; A Valquíria, de Richard Wagner, regida por Furtwängler, com Martha Mödl no papel-título; Tosca, de Puccini, com Eva Marton e José Carreras, com o tenor em decadência vocal; As Bodas de Fígaro, de Mozart, numa gravação que nunca ouvi de Zubin Mehta com Karita Matilla e Lucio Gallo; Aida, de Verdi, com Aprile Millo (eu a vi cantar muito bem o papel no Rio de Janeiro, nos tempos de Fernando Bicudo) e Domingo; O elixir do amor, de Donizetti, com Ileana Cotrubas e Domingo (de novo! os fãs desse tenor notarão que a única gravação de Pavarotti incluída, uma Lucia di Lammermoor ao vivo, registrou alguns erros do tenor italiano); Fausto, de Gounod, com o grande tenor espanhol Alfredo Kraus e a versátil soprano italiana Renata Scotto.
Os outros títulos são iguais. Esta reedição alterada possui também 25 números. Não acho que a escolha foi tão interessante e representativa desta vez quanto a da encarnação de 2008. O século XIX, desta vez, foi hipertrofiado, e o século XX e o Barroco, reduzidos (Proserpine foi de vez para o Hades). A ópera italiana foi também hipertrofiada, e os autores eslavos, quase todos ignorados (incluiu-se, porém, um brasileiro, Carlos Gomes). A seleção acabou ficando bem careta.
No entanto, todas as gravações que conheço dessa nova série são no mínimo boas, e há algumas interpretações essenciais dessas grandes óperas, como Maria Callas em La Traviata (pena que em sua gravação de estúdio, em que está menos inspirada do que nas versões ao vivo, e foi acompanhada de parceiros medianos) e La Gioconda de Ponchielli, Furtwängler regendo as duas óperas de Wagner incluídas, a Mélisande na voz de Victoria de los Angeles, o Florestan de Fidelio por Jon Vickers, Galina Vishnevskaya cantando a Tatiana em sua primeira gravação de Eugen Oneguin de Tchaikovsky, e a interpretação de Marilyn Horne, que permanecia soberana nos anos 1980, do papel-título da ópera Rinaldo, de Händel, entre outras.
Esta coleção trata a ópera dando-lhe um cenotáfio. Essa abordagem é adequada, ou o gênero continua vivo? Acho que sim, porém desprovido da vitalidade que teve no passado, quando cumpria a função social das telenovelas de hoje e era muito popular.
Mas não está vivo no Brasil, exceto na forma de sussurros. Creio que a vida de um gênero está principalmente na composição. E a ópera brasileira, que efetivamente existia na primeira metade do século passado, foi progressivamente sabotada. No centenário de morte de Carlos Gomes, por exemplo, as criaturas encarregadas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro decidiram não programar nenhuma ópera dele.
Não basta, porém, sepultar os mortos com isolamento acústico: é necessário condenar os vivos ao silêncio. Quantas vezes é montado no Brasil um autor contemporâneo? Por que não temos mais montagens de títulos como Olga de Jorge Antunes?
O silenciamento tem sido sistematicamente cumprido pela maior parte dos detentores da agenda cultural. Não fazem e não deixam fazer.
Antes de tudo, deve-se lembrar que ópera não é um tipo de música. Pode-se compor uma com qualquer tipo - do canto medieval da proto-ópera O Auto de Daniel (Le Jeu de Daniel, do século XIII, composta por clérigos anônimos da Catedral de Beauvais) até o uso de música popular (jazz, rock). A música não precisa ser complicada: é necessário que seja dramática, isto é, que possa exprimir a variedade de emoções e de situações presentes no libreto.
Esse gênero teatral nasceu de um mal-entendido: a tentativa, no Renascimento italiano, de reviver o teatro grego, que era cantado, mas não todo cantado. Como tantas vezes ocorre em arte, iniciativas de recuperar o passado acabam instaurando novo presente.
Isso ocorreu no final do século XVI. No entanto, como a primeira obra-prima da ópera é Orfeu de Monteverdi, de 1607, foi em 2007 que foi lançada uma coleção para comemorar os 400 anos do gênero. Eu estava em Portugal quando ela começou a sair pela Prisa Innova, vendida nas bancas de jornais.
Eu tinha achado feliz a escolha dos títulos, que partiam do Barroco (Monteverdi, por exemplo) até a primeira metade do século XX (Alban Berg), incluíam obras muito conhecidas (La Traviata, de Verdi) e outras, mais obscuras, que merecem atenção (Proserpine de Lully). A escolha das gravações era, em geral, também feliz, com predominância de discos que já caíram no domínio público, como a gravação de Tristão e Isolda, de Richard Wagner, regida por Furtwängler. Mas também havia discos recentes, como a ópera de Lully e o Tito Manlio, de Vivaldi, em que Federico Maria Sardelli rege o Modo Antiquo.
Em 2008, essa coleção foi lançada no Brasil, porém com apenas 25 títulos e sem a seção de discografia e videografia recomendadas, que todos os números europeus tinham. A caixa de proteção dos discos foi também descartada.
Mesmo nessa versão reduzida e simplificada, era uma coleção a se fazer para quem não tinha aquelas gravações. Um dado importante é que todos os libretos apareciam no original e em tradução para o português, e foi mantida a seção de história da ópera.
Agora, em 2011, a Folha de S. Paulo ressuscita a coleção com um projeto gráfico parecido, porém diferente (pelo que se pode ver na propaganda), com uma escolha de gravações que largamente coincide com a de 2008, incluindo alguns que não tinham saído no Brasil, mas na Europa. Ignoro se as seções antigas serão mantidas.
As duas primeiras gravações são exatamente as mesmas que já saíram no Brasil, uma Carmen (a conhecida ópera de Bizet) regida ao vivo por Karajan com Nicolai Gedda como Don José, e Fidelio, de Beethoven, em gravação ao vivo do grande maestro Otto Klemperer, com a comovente Sena Jurinac conseguindo cantar quase todas as notas do papel-título.
Quem fez a coleção de 2008 irá provavelmente comprar somente as gravações que não saíram daquela vez, e que não são tantas. O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, é uma delas: antes tínhamos Juan Diego Flórez (o maior tenor ligeiro em atividade) e o virtuosismo vocal de Edita Gruberova nos papeis dos jovens enamorados; agora, uma gravação mais antiga, com a voz modesta de Nicola Monti e o belo timbre de Victoria de los Ángeles.
De diferente, também sairão O Guarani, de Carlos Gomes, em gravação interpretada por Placido Domingo; A Valquíria, de Richard Wagner, regida por Furtwängler, com Martha Mödl no papel-título; Tosca, de Puccini, com Eva Marton e José Carreras, com o tenor em decadência vocal; As Bodas de Fígaro, de Mozart, numa gravação que nunca ouvi de Zubin Mehta com Karita Matilla e Lucio Gallo; Aida, de Verdi, com Aprile Millo (eu a vi cantar muito bem o papel no Rio de Janeiro, nos tempos de Fernando Bicudo) e Domingo; O elixir do amor, de Donizetti, com Ileana Cotrubas e Domingo (de novo! os fãs desse tenor notarão que a única gravação de Pavarotti incluída, uma Lucia di Lammermoor ao vivo, registrou alguns erros do tenor italiano); Fausto, de Gounod, com o grande tenor espanhol Alfredo Kraus e a versátil soprano italiana Renata Scotto.
Os outros títulos são iguais. Esta reedição alterada possui também 25 números. Não acho que a escolha foi tão interessante e representativa desta vez quanto a da encarnação de 2008. O século XIX, desta vez, foi hipertrofiado, e o século XX e o Barroco, reduzidos (Proserpine foi de vez para o Hades). A ópera italiana foi também hipertrofiada, e os autores eslavos, quase todos ignorados (incluiu-se, porém, um brasileiro, Carlos Gomes). A seleção acabou ficando bem careta.
No entanto, todas as gravações que conheço dessa nova série são no mínimo boas, e há algumas interpretações essenciais dessas grandes óperas, como Maria Callas em La Traviata (pena que em sua gravação de estúdio, em que está menos inspirada do que nas versões ao vivo, e foi acompanhada de parceiros medianos) e La Gioconda de Ponchielli, Furtwängler regendo as duas óperas de Wagner incluídas, a Mélisande na voz de Victoria de los Angeles, o Florestan de Fidelio por Jon Vickers, Galina Vishnevskaya cantando a Tatiana em sua primeira gravação de Eugen Oneguin de Tchaikovsky, e a interpretação de Marilyn Horne, que permanecia soberana nos anos 1980, do papel-título da ópera Rinaldo, de Händel, entre outras.
Esta coleção trata a ópera dando-lhe um cenotáfio. Essa abordagem é adequada, ou o gênero continua vivo? Acho que sim, porém desprovido da vitalidade que teve no passado, quando cumpria a função social das telenovelas de hoje e era muito popular.
Mas não está vivo no Brasil, exceto na forma de sussurros. Creio que a vida de um gênero está principalmente na composição. E a ópera brasileira, que efetivamente existia na primeira metade do século passado, foi progressivamente sabotada. No centenário de morte de Carlos Gomes, por exemplo, as criaturas encarregadas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro decidiram não programar nenhuma ópera dele.
Não basta, porém, sepultar os mortos com isolamento acústico: é necessário condenar os vivos ao silêncio. Quantas vezes é montado no Brasil um autor contemporâneo? Por que não temos mais montagens de títulos como Olga de Jorge Antunes?
O silenciamento tem sido sistematicamente cumprido pela maior parte dos detentores da agenda cultural. Não fazem e não deixam fazer.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
A "meta primordial da política exterior do Brasil": Conselho de Segurança, Wikileaks e os direitos humanos
Um dos fatores que parece mais contaminar a política exterior brasileira é a obsessão pré-Nações Unidas de se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
Em nome dessa meta improvável, o Estado brasileiro tem, repetidas vezes, sacrificado sua imagem, a coerência e os direitos humanos.
Falei em pré-ONU. Explico para quem não conhece as miudezas da história da política exterior do Brasil. Antes da ONU, existia a Sociedade ou Liga das Nações, criada com base no Tratado de Versalhes, que foi o "acordo" de paz da Primeira Guerra Mundial. Esse acordo foi negociado sem a presença dos diplomatas alemães, e imposto a esse Estado, que foi simplesmente excluído da nova organização internacional.
A medida absurda e discriminatória (que não seria repetida com a criação da ONU) seria desfeita após os Tratados de Locarno de 1925. Em 1926, a Alemanha ingressaria na Liga e teria uma vaga permanente no Conselho da organização. O governo brasileiro, que era um membro eleito desse Conselho, resolveu simplesmente vetar o ingresso daquele Estado em março, por ter visto falhar sua chantagem de somente aprovar os alemães se fosse concedida ao Brasil a vaga permanente que era destinada aos Estados Unidos!
Os EUA, faço lembrar, acabaram nunca integrando a organização (apesar dos esforços do Presidente Wilson) em razão do isolacionismo do Congresso estadunidense.
Acabou o mandato do Brasil em setembro do mesmo ano, ele não foi reeleito (nenhuma surpresa) e a Alemanha pôde ingressar na Liga. O Brasil, então, deixou a Liga em protesto por não ter visto sua "importância internacional" reconhecida. Essa era a madura política exterior da República Velha!
A organização terminou, de fato, com a Segunda Guerra Mundial. Durante as negociações para a criação da ONU, a ambição brasileira permanecia, e Stálin vetou a destinação de uma vaga permanente no Conselho de Segurança para o Brasil, afirmando que essa inclusão apenas daria mais um voto para os EUA!
A obsessão continuou, no entanto. Mais um dos incontáveis exemplos está neste telegrama de 22 de dezembro de 2009 divulgado por Wikileaks em 6 de fevereiro de 2011:
Trata-se de iniciativa de Estados islâmicos para impedir a liberdade de expressão e perseguir minorias sob o pretexto de "difamação da religião". Tanto a Assembleia Geral quanto o Comitê de Direitos Humanos da ONU já aprovaram resoluções a favor.
O Brasil, embora contrário à medida, simplesmente se abstém nessas votações para não desagradar eventuais Estados (mencionam-se no telegrama Irã, Egito, Turquia e Arábia Saudita) que poderão apoiá-lo em seu caminho para o assento permanente no Conselho!
Os impérios não gostam do Direito internacional - para eles, é melhor agir sem regulação alguma. Mesmo um Direito altamente manipulado pode causar algum constrangimento ao arbítrio. Dessa forma, os Estados Unidos não são membros da Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, bem como, em uma postura isolacionista, de vários outros tratados de direitos humanos; a situação é oposta no tocante a questões econômicas como propriedade intelectual...
A Somália, que nunca se destacou pelo cumprimento dos direitos humanos, também não. São os dois únicos membros da ONU que ficaram de fora do tratado, pelo que sei. O Brasil ratificou a Convenção.
Mas eis que vemos, em telegrama de 30 de novembro de 2009, que os EUA contavam com apoio brasileiro para modificar o texto dela:
Esse telegrama também foi divulgado no dia 6 de fevereiro. Quis escrever a respeito disso porque, acho, os holofotes cairão sobre as declarações de 2005 do rabino Sobel sobre o alegado antissemitismo de Lula, que estaria mascarado de antissionismo.
No entanto, em favor do ex-presidente, lê-se no último telegrama que citei que Lula teria ficado pessoalmente perturbado com a negação do holocausto pelo presidente do Irã ("President Lula, who is personally disturbed by President Ahmadinehad's Holocaust denial, would raise that issue along with persecution and harassment of Baha'is during Ahmadinehad's impending visit to Brazil.") e, de fato, o presidente brasileiro fez uma declaração pública sobre o assunto quando o iraniano esteve no Brasil.
A obsessão com o Conselho de Segurança da ONU continuará? Decerto. Porém é de esperar que a presidenta Dilma Rousseff mantenha uma política exterior mais coerente com os direitos humanos, que é justamente a que um virtual membro desse Conselho deveria assumir...
Em nome dessa meta improvável, o Estado brasileiro tem, repetidas vezes, sacrificado sua imagem, a coerência e os direitos humanos.
Falei em pré-ONU. Explico para quem não conhece as miudezas da história da política exterior do Brasil. Antes da ONU, existia a Sociedade ou Liga das Nações, criada com base no Tratado de Versalhes, que foi o "acordo" de paz da Primeira Guerra Mundial. Esse acordo foi negociado sem a presença dos diplomatas alemães, e imposto a esse Estado, que foi simplesmente excluído da nova organização internacional.
A medida absurda e discriminatória (que não seria repetida com a criação da ONU) seria desfeita após os Tratados de Locarno de 1925. Em 1926, a Alemanha ingressaria na Liga e teria uma vaga permanente no Conselho da organização. O governo brasileiro, que era um membro eleito desse Conselho, resolveu simplesmente vetar o ingresso daquele Estado em março, por ter visto falhar sua chantagem de somente aprovar os alemães se fosse concedida ao Brasil a vaga permanente que era destinada aos Estados Unidos!
Os EUA, faço lembrar, acabaram nunca integrando a organização (apesar dos esforços do Presidente Wilson) em razão do isolacionismo do Congresso estadunidense.
Acabou o mandato do Brasil em setembro do mesmo ano, ele não foi reeleito (nenhuma surpresa) e a Alemanha pôde ingressar na Liga. O Brasil, então, deixou a Liga em protesto por não ter visto sua "importância internacional" reconhecida. Essa era a madura política exterior da República Velha!
A organização terminou, de fato, com a Segunda Guerra Mundial. Durante as negociações para a criação da ONU, a ambição brasileira permanecia, e Stálin vetou a destinação de uma vaga permanente no Conselho de Segurança para o Brasil, afirmando que essa inclusão apenas daria mais um voto para os EUA!
A obsessão continuou, no entanto. Mais um dos incontáveis exemplos está neste telegrama de 22 de dezembro de 2009 divulgado por Wikileaks em 6 de fevereiro de 2011:
¶2 [...] Brazil has not disagreed with a single argument in our previous demarches and non-papers. The response has been always the same: the concept of bdefamation of religionsb is repugnant to Brazilian values and principles, and it is inconsistent with Brazilian law and international law. For those reasons, Brazil cannot and will not support a resolution that purports to punish the bdefamation of religions;b instead, Brazil consistently abstains.
¶3. (C) When asked why Brazil does not vote against a resolution it finds totally objectionable, Gauch responded that it was enough to abstain. In the GOBbs view, Brazil is taking a principled but practical position on the issue, not desiring to offend OIC countries, in particular powerful ones like Iran, Egypt, Turkey, and Saudi Arabia with which Brazil is attempting to deepen relations. Moreover, obtaining a permanent seat on the UNSC remains Brazilbs overriding foreign policy goal. As a result, the GOB prefers to avoid antagonizing countries and groups of countries whose votes might be valuable in a future election.
Trata-se de iniciativa de Estados islâmicos para impedir a liberdade de expressão e perseguir minorias sob o pretexto de "difamação da religião". Tanto a Assembleia Geral quanto o Comitê de Direitos Humanos da ONU já aprovaram resoluções a favor.
O Brasil, embora contrário à medida, simplesmente se abstém nessas votações para não desagradar eventuais Estados (mencionam-se no telegrama Irã, Egito, Turquia e Arábia Saudita) que poderão apoiá-lo em seu caminho para o assento permanente no Conselho!
Os impérios não gostam do Direito internacional - para eles, é melhor agir sem regulação alguma. Mesmo um Direito altamente manipulado pode causar algum constrangimento ao arbítrio. Dessa forma, os Estados Unidos não são membros da Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, bem como, em uma postura isolacionista, de vários outros tratados de direitos humanos; a situação é oposta no tocante a questões econômicas como propriedade intelectual...
A Somália, que nunca se destacou pelo cumprimento dos direitos humanos, também não. São os dois únicos membros da ONU que ficaram de fora do tratado, pelo que sei. O Brasil ratificou a Convenção.
Mas eis que vemos, em telegrama de 30 de novembro de 2009, que os EUA contavam com apoio brasileiro para modificar o texto dela:
¶8. CONVENTION ON THE RIGHTS OF THE CHILD: Silva believed it would be difficult to change the CRC's wording to meet the objections of the United States or Somalia. He said he would nevertheless encourage the Brazilian Mission in New York to be in touch with the U.S. Mission to see if it is possible to find common ground.Esse Silva não é o ex-presidente brasileiro, e sim Nathanael Souza e Silva, da divisão de direitos humanos do Ministério das Relações Exteriores.
Esse telegrama também foi divulgado no dia 6 de fevereiro. Quis escrever a respeito disso porque, acho, os holofotes cairão sobre as declarações de 2005 do rabino Sobel sobre o alegado antissemitismo de Lula, que estaria mascarado de antissionismo.
No entanto, em favor do ex-presidente, lê-se no último telegrama que citei que Lula teria ficado pessoalmente perturbado com a negação do holocausto pelo presidente do Irã ("President Lula, who is personally disturbed by President Ahmadinehad's Holocaust denial, would raise that issue along with persecution and harassment of Baha'is during Ahmadinehad's impending visit to Brazil.") e, de fato, o presidente brasileiro fez uma declaração pública sobre o assunto quando o iraniano esteve no Brasil.
A obsessão com o Conselho de Segurança da ONU continuará? Decerto. Porém é de esperar que a presidenta Dilma Rousseff mantenha uma política exterior mais coerente com os direitos humanos, que é justamente a que um virtual membro desse Conselho deveria assumir...
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
A partir de Heredia, "Las mandíbulas"
Na primeira vez que fui à Argentina, impressionaram-me bastante os Amordazamientos, obras de Alberto Heredia (1924-2000), que vi no Museu Nacional de Belas Artes em Buenos Aires.
Eles foram realizados entre 1972 e 1974 - anteriores, pois, à última ditadura militar na Argentina, porém contemporâneos de grande violência política - o próprio Heredia foi ameaçado de morte pela Triple A em 1974.
Fabián Lebenglick considerou-os um exemplo do poder antecipatório de sua arte.
A articulação entre memória e política tem gerado naquele país interessantes obras. León Ferrari produziu a série conceitual Nosotros no sabíamos composta de recortes de jornais de 1976 que noticiavam as ações do terror de Estado: "Hallarónse 30 cadáveres en la localidad de Fátima", "Ocho cadáveres en San Telmo", "Aparecen cadáveres". Não sabiam ou não queriam saber?
Heredia possui outro estilo. "Amordazamientos" é mais um exemplo de suas obras com elementos de descarte, de lixo; antimonumentais, enfim. Neste artigo de Natalia March, Las obras de arte como ejes articuladores de la memoria histórica. Buenos Aires 1960-1990, podem-ser ver os Amordazamientos que tiraram do silêncio o que estou transformando em livro. Nesta homenagem escrita por Jorge López Anaya, veem-se outros.
Um poema (As mandíbulas) desse livro futuro acabou sendo publicado na revista portuguesa Telhados de vidro, como escrevi aqui.
Gosto que o poema inspirado pela Argentina volte a ela. Isso ocorre por meio de tradução de Lorena Fernández Soto, com uma breve introdução de Julián Axat. Agradeço a ambos.
P.S. José María Pallaoro, o editor de Libros de la talita dorada, incluiu a tradução no Aromito. Agradeço também a ele:
http://aromitorevista.blogspot.com/2011/02/padua-fernandes-las-mandibulas-i-ii-iii.html
http://aromitorevista.blogspot.com/2011/02/padua-fernandes-las-mandibulas-v-vi-vii.html
Eles foram realizados entre 1972 e 1974 - anteriores, pois, à última ditadura militar na Argentina, porém contemporâneos de grande violência política - o próprio Heredia foi ameaçado de morte pela Triple A em 1974.
Fabián Lebenglick considerou-os um exemplo do poder antecipatório de sua arte.
A articulação entre memória e política tem gerado naquele país interessantes obras. León Ferrari produziu a série conceitual Nosotros no sabíamos composta de recortes de jornais de 1976 que noticiavam as ações do terror de Estado: "Hallarónse 30 cadáveres en la localidad de Fátima", "Ocho cadáveres en San Telmo", "Aparecen cadáveres". Não sabiam ou não queriam saber?
Heredia possui outro estilo. "Amordazamientos" é mais um exemplo de suas obras com elementos de descarte, de lixo; antimonumentais, enfim. Neste artigo de Natalia March, Las obras de arte como ejes articuladores de la memoria histórica. Buenos Aires 1960-1990, podem-ser ver os Amordazamientos que tiraram do silêncio o que estou transformando em livro. Nesta homenagem escrita por Jorge López Anaya, veem-se outros.
Um poema (As mandíbulas) desse livro futuro acabou sendo publicado na revista portuguesa Telhados de vidro, como escrevi aqui.
Gosto que o poema inspirado pela Argentina volte a ela. Isso ocorre por meio de tradução de Lorena Fernández Soto, com uma breve introdução de Julián Axat. Agradeço a ambos.
P.S. José María Pallaoro, o editor de Libros de la talita dorada, incluiu a tradução no Aromito. Agradeço também a ele:
http://aromitorevista.blogspot.com/2011/02/padua-fernandes-las-mandibulas-i-ii-iii.html
http://aromitorevista.blogspot.com/2011/02/padua-fernandes-las-mandibulas-v-vi-vii.html
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Universos paralelos da educação: ensino do direito e invasão iminente do país
Os estudantes, em certas faculdades, são selecionados aparentemente por um concurso, mas, na verdade, todos aqueles que se candidatam são recebidos sem exceção, até mesmo aqueles que [...] não escrevem corretamente [...] vimos certas faculdades privadas aceitarem falsos certificados [escolares].
Os estudantes dessas faculdades não têm intenção alguma de levar adiante seus estudos. Eles se inscrevem unicamente para, ao fim de quatro anos, obter o diploma de bacharel em direito. [...] Eles só vão à faculdade nos dias em que suas presenças são verificadas. Vimos estudantes pedir ao professor para suspender a aula com os pretextos mais estranhos.
Em certas faculdades privadas de direito, os exames são bem frequentes. Cada semestre aplicam-se ao menos dois. [...] Quando a data é marcada, os estudantes dessas faculdades, em vez de prepararem seus cursos, pedem decididamente a seus professores, seja para informar os assuntos prováveis da prova, seja para indicar as páginas onde estão esses assuntos. Quando chegam para a prova [...] os estudantes simplesmente copiam o que prepararam [...]
Quem corrige as provas tem o dever de ser indulgente e de dar ao menos a média, sem o que o descontentamento dos estudantes e, em seguida, o da direção (que os considera como clientes) vão-lhe valer a perda de seu cargo.
Todos já devem ter logo imaginado onde cenas atrozes de ignorância explícita como essas ocorrem: a China da primeira metade do século XX.
O texto acima é uma tradução que faço de citação do livro Le Droit Chinois (O Direito Chinês) de Jean Escarra, jurista francês morto há mais de meio século.
Os grifos são de Haroldo Valladão, que foi um dos grandes especialistas brasileiros em direito internacional provado. Eu copiei o trecho da longa citação que ele faz no livro O ensino e o estudo do Direito especialmente do Direito Internacional Privado no Velho e no Novo Mundo, de 1940. Ele citou em francês, a tradução é minha.
Valladão sabiamente comenta:
Não é de estranhar, em face do que foi exposto, a decadência a que vem atingindo o célebre país do Extremo Oriente, interna e externamente, presa fácil das invasões estrangeiras.
Imaginem, um país assim dedicado à burrice diplomada! Seria logo invadido, primeiro por profissionais qualificados estrangeiros por falta de mão-de-obra nacional!
Depois, pela falta de futuro. Em seguida... Não sei, mas tenho o palpite de que boa parte da ignorância diplomada, com sua intolerância e incompetência, gostaria de engrossar o exército de reserva do fascismo.
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