O jornal Brasil de Fato publicou há poucos dias um texto meu que anuncia o Seminário Os 40 Anos da Lei de Anistia e o Legado das Ditaduras na América Latina, que será realizado no Centro Universitário Maria Antônia, da Universidade de São Paulo, de 26 a 28 de agosto. Em "40 anos da Lei de Anistia e as continuidades do autoritarismo", digo que "Este Seminário, um exemplo de esforço conjunto de militantes, movimentos e da academia, procurará, portanto, entender a relação das graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar com as continuidades autoritárias do presente, que hoje ameaçam a democracia e os movimentos sociais."
Uma dessas continuidades está na questão dos desaparecidos, tanto no aspecto das vítimas da ditadura que não foram encontradas, tanto na permanência do crime de desaparecimento forçado no repertório de ação das forças do Estado. O problema foi percebido já com a aprovação da lei n. 6683, de 28 de agosto de 1979, a lei de anistia. Três anos após, Suzana Lisboa, viúva de Luiz Eurico Tejera Lisboa, um dos poucos desaparecidos da ditadura cujos restos mortais haviam sido encontrados (eles foram escondidos na Vala de Perus), deu entrevista a Rádio Capital sobre a Semana Mundial do Preso Desaparecido, que ocorreria entre 25 e 31 de maio de 1982.
Como se tratava de assunto de segurança nacional para o governo, o DEOPS/SP fez a transcrição da entrevista (o documento, como outros aqui reproduzidos, estão no acervo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo).
Trata-se de uma situação que não foi resolvida pela lei de anistia. O que Suzana Lisboa declarou na entrevista, que "A barreira no encontro dos desaparecidos está no próprio governo, que é o responsável pelos desaparecimentos e não quer assumir que foi responsável pelos assassinatos.", continua a valer para os desaparecidos da democracia e, mesmo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, voltou a ser plenamente vigente com o governo Bolsonaro, que, incorrendo em crime de responsabilidade, tem espalhado notícias falsas sobre os que foram atingidos pela repressão, seja os mortos, como Fernando Santa Cruz, seja os vivos, como Miriam Leitão (os ataques à imprensa têm sido uma constante deste governo) e Dilma Rousseff.
A campanha pela anistia começou efetivamente entre as mulheres com o Movimento Feminino pela Anistia. Quando escrevi sobre Therezinha Zerbini, a fundadora do Movimento, citei o Boletim Maria Quitéria, que era o seu órgão de imprensa. O jornal feminista Nós Mulheres também incluía a anistia entre suas pautas:
Neste número de 1978, que tomo como um exemplo entre outros, além de matéria que tratava do Movimento Feminino pela Anistia, publicou-se esta nota sobre o lançamento do Comitê Brasileiro pela Anistia:
A ampliação do movimento e desta demanda social, a que se juntaram o movimento sindical e o estudantil, causou inquietação na ditadura. Este relatório do Centro de Informações da Aeronáutica, de "subversão no Brasil desde o exterior" documenta a preocupação oficial com os exilados, seu possível retorno e sua articulação por, entre outras bandeiras, a anistia:
Esta movimentação gerou reação do governo. Já escrevi, como outros, que a lei foi imposta pela ditadura por meio de sua maioria parlamentar, sendo completamente falso o "consenso nacional" de que falaram ministros do Supremo Tribunal Federal na aberração jurídica e histórica que foi o julgamento de 2010 em que validaram os efeitos da lei para os torturadores e assassinos do regime (não vou repetir aqui o que escrevi em "Nem justiça nem transição: a lei brasileira de anistia e o Supremo Tribunal Federal"). Como a anistia não foi "ampla, geral e irrestrita", muitos presos continuaram e muitos que foram afastados do serviço público não puderam retornar. Vejam a preocupação do delegado Romeu Tuma com esta visita a presos políticos não anistiados feita por Teotônio Vilela, político que tinha sido da situação, mas acabou se filiando ao PMDB em 1979) e havia participado da campanha pela anistia:
Um dos temas do Seminário deste mês será justamente o dos sujeitos que ficaram fora da lei de anistia, o que inclui, entre outros que não serão acolhidos pela comissão bolsonariana de anistia de hoje, os povos indígenas, que foram vítimas de remoção forçada, genocídio e etnocídio.
Essas e outras questões, articuladas às ameaças de hoje à democracia e aos movimentos sociais, serão discutidas no Seminário, cuja programação pode ser vista nesta ligação: http://www.mariantonia.prceu.usp.br/seminario-internacional-os-40-anos-da-anistia-e-o-legado-da-ditadura-na-america-latina/
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